A exposição “200 Anos de Anita Garibaldi: Vida, Coragem e Paixão” foi elaborada pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC) como parte das comemorações pelo bicentenário de nascimento dessa importante personagem da história catarinense.
O objetivo da exposição é apresentar, de forma sucinta e didática, parte da biografia de Anita Garibaldi, assim como abordar a humanidade da personagem, além das apropriações e usos feitos sobre a sua memória pelos diferentes grupos e atores ao longo do tempo. A pesquisa e a produção de seus conteúdos foram realizadas por uma equipe que envolveu servidores de diversos setores da FCC.
>> As informações históricas presentes na exposição estão disponíveis para consulta nos links abaixo. Além disso, o conteúdo foi gravado e poderá ser ouvido.
200 Anos de Anita Garibaldi: Vida, Coragem e Paixão
A exposição “200 Anos de Anita Garibaldi: Vida, Coragem e Paixão” foi desenvolvida pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC), como parte das comemorações pelo bicentenário de nascimento dessa importante personagem. A pesquisa e produção de seus conteúdos foram realizadas pela Gerência de Patrimônio Imaterial da Diretoria de Patrimônio Cultural e Assessoria de Comunicação da FCC.
O objetivo da exposição é apresentar, de forma sucinta e didática, parte da biografia de Anita Garibaldi, assim como abordar a humanidade da personagem, além das apropriações e usos feitos sobre a sua memória pelos diferentes grupos e atores ao longo do tempo.
Anita Garibaldi nasceu e viveu em uma época, a primeira metade do século XIX, na qual o Brasil obteve sua independência de Portugal e na qual ocorreram lutas que determinaram o tipo de ordem política e social que iria vigorar pela maior parte daquele século no país[1].
Foi um período em que ocorreram diversos grandes movimentos sociais, como o dos Malês (1835), a Cabanagem (1835-40), a Balaiada (1838-41), a Sabinada (1831-33) e a Revolução Farroupilha (1835-45). Nestes movimentos se confrontaram projetos e ideais como os de república x monarquia, centralização x descentralização governamental, escravidão x liberdade, entre outros defendidos em meio a sangrentas lutas.
Anita se envolveu diretamente nos acontecimentos da Revolução Farroupilha, quando esta proclamou a República Juliana (1839) em Laguna, cidade onde ela vivia. Foi nesse momento que Anita iniciou seu relacionamento com Giuseppe Garibaldi que somente terminaria com a morte dela, quase uma década depois, na longínqua Itália, em meio às lutas para sua unificação.
Em uma época na qual o que se esperava das mulheres era que se limitassem a uma singela e conformada vida doméstica em suas fazendas ou vilas, Anita se envolveu diretamente em combates no mar e na terra. Em meio a esses acontecimentos, grávida, fez uma turbulenta viagem para o Rio Grande do Sul, foi viver no Uruguai e, finalmente, na distante Itália.
O amor de Anita por Giuseppe Garibaldi e a família que constituiu com ele, apesar das dificuldades que cercaram suas vidas, falam muito do quanto a catarinense foi um ser humano pleno em seus sentimentos. A maneira como viveu por esses sentimentos, de forma corajosa e intensa, talvez seja o que a tornou tão especial para aqueles que vieram a conhecer sua história.
Mas 200 anos são um período muito longo para que a memória de alguém siga intacta, e Anita também foi uma pessoa cuja trajetória de vida muito inspirou ou mesmo instigou. Nesse sentido, Giuseppe Garibaldi associado ao escritor e editor Alexandre Dumas, com a publicação das memórias de Giuseppe, celebraram-na como heroína ainda no século XIX. Dessa maneira, fundaram uma base interpretativa que seria posteriormente utilizada não só por historiadores, mas por militantes dos mais diversos momentos e causas.
Com a instauração da República no Brasil, e principalmente ao longo do século XX, Anita passou a ser progressivamente relembrada e principalmente celebrada. Sua origem catarinense e ligações com a cidade de Laguna recebem destaque, homenagens foram propostas e implementadas. A importância dada a Anita foi tamanha a ponto de ser referenciada como uma personagem que simboliza o valor de sua terra natal.
Anita Garibaldi continua presente de muitas maneiras na atualidade, não só nos livros de história e nos ideais que serve de sustentação, mas de forma tangível em monumentos, emprestando seu nome a ruas, avenidas, praças e até mesmo a uma das cidades de Santa Catarina. Essa presença demonstra o quanto sua memória reverberou ao longo do tempo de uma forma muito mais forte que sua breve, mas intensa, vida poderiam inicialmente sugerir.
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[1] Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema. São Paulo: HUCITEC, [Brasília, DF]: INL, 1987.
A hoje celebrada personagem histórica Anita Garibaldi era, até conhecer Giuseppe Garibaldi, apenas mais uma mulher pobre do vasto interior do Brasil. Membro de uma família que teve muitas dificuldades na vida e, por isso, residente em várias cidades, não fosse sua trajetória mítica na idade adulta, Anita seria mais uma história de vida perdida nas brumas do tempo.
Na época em que os pais de Anita se casaram, Lages continuava parte da província
de São Paulo – só passaria para Santa Catarina em 1820.
[...viveram em várias casas, antes de fixar-se no Rincão dos Morrinhos,
na margem esquerda do rio Tubarão, na época vinculado a Laguna. (MARKUN, 1999, p. 64).
Nos percalços do começo da vida mambembe da família da heroína, perdeu-se no tempo qualquer possibilidade de documentos do registro de seu local de nascimento, recorrendo-se, então, à oralidade.
Anna Maria de Jesus Ribeiro (1821?-49) entra para a história por causa
de seu companheiro Giuseppe Garibaldi (1807-1882), a quem deve o seu codinome de heroína,
bem como o nome e o sobrenome italianos com os quais é conhecida: Anita Garibaldi.
Até os dias de hoje, a certidão de Anita Garibaldi não foi encontrada,
mas seus biógrafos supõem que ela teria nascido no ano de 1821,
conforme aponta Wolfgang L. Rau (1975, p.66).
O nome Anna Maria de Jesus pode ser constatado na certidão
de seu primeiro casamento (Rau, 1975, p.72), realizado no ano de 1835
na Igreja Santo Antônio dos Anjos, em Laguna, e o sobrenome Ribeiro
vem de seu pai Bento Ribeiro da Silva.
As informações sobre sua infância e seu relacionamento com o primeiro marido,
o sapateiro Manuel Duarte, estão baseadas praticamente na tradição oral e,
mais tarde, são registradas pelos primeiros historiadores que se dedicaram a ela.
Assim, são conhecidos acontecimentos como: a mudança da família
para Morrinhos pelo fato de Aninha (como é conhecida pela sua família e amigos de Laguna) ter
agredido um moço que a cortejou com propostas indecentes; o caráter forte e decidido dela,
que culmina com várias atitudes ríspidas;
a imposição da mãe para que ela se casasse com Manuel
e a falta de afinidade do casal, que resultou na infelicidade conjugal.
Enquanto o corsário italiano Garibaldi e outros partidários da Revolução Farroupilha (1835-45)
se dirigem a Laguna em julho de 1839 para tomar a cidade,
Manuel se alistar na Guarda Nacional do Império e se retira da cidade, deixando Aninha com a mãe.
O que acontece com Manuel depois – se falece durante a guerra, se volta à cidade,
se vive por muito tempo – é desconhecido e não há nenhum
documento para comprovar qualquer hipótese. (RIBEIRO, 2011, p.15-16)
Na verdade, Anita é natural do interior de Santa Catarina, da primeira metade do século XIX,
nascida em uma família pobre, provavelmente analfabeta ou semi alfabetizada. Sendo assim,
mesmo que ela soubesse ler – o que não era comum em seu tempo e na sua classe social – seria pouco provável
que tivesse tido contato com livros que expressassem ideias revolucionárias, normalmente escritos em francês.
De tal modo, se Anita fosse “apaixonada pela causa dos povos”, seria algo mais intuitivo.
Mesmo Garibaldi, na época em que está no Brasil, tem contato apenas com a doutrina de Saint-Simon. (RIBEIRO, 2011, p.33)
Posteriormente, já consagrada como um vulto histórico cuja importância transcende os limites de Santa Catarina e do Brasil, surgem inúmeras teorias em diversos municípios do Sul do país, e até do Uruguai, reivindicando ser lugar de nascimento da Heroína de Dois Mundos. A hipótese mais aceita, atualmente, é que seu nascimento tenha ocorrido na localidade de Morrinhos, que era Laguna em 1840 e, atualmente, faz parte do município de Tubarão.
Acerca de seu reconhecimento tardio, cem anos após sua morte, não faltam atribuições de louvor à Heroína de Dois Mundos.
Sobre o título "Ideais Nacionais", o jornal Diário da Tarde publicou, em julho de 1939, a seguinte notícia:
(...) é para que a efemeride que hoje celebramos, figure gloriosamente na História do Brasil, resplandecendo a beleza, sem mais poder ser discutida, bastará lembrar-se com emoção embevecida que foi no cenário de incertezas, de lutas e de idealismo da Revolução Juliana,, que nasceu e viveu os primeiros capítulos de epopéia o romance de Anita e Garibaldi, emblema universal do Amor e de Heroísmo!!!
(...) depois ... mas o veleiro estremeceu ouvindo o mar, e pondo a prova os Cavernames Gostas, alçou-se, transformando, as velas cheias, lindas e orgulhoso "Seival" dos cem dias "dias nefastos"...
Um vulto de mulher no convés aparece. Iça a bandeira. Escuta! Um clarão de vitória
Banha a Laguna... é a lua, áurea luz. Anoitece
Rugem, dentro da noite azul, para contê-las,
Ancias de pátria livre ardentes de glória
Como se o céu ruísse em farrapos de estrelas
(João Crespo) (ELÍBIO, JUNIOR, 2000, p.95)
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Laguna tinha papel importante no trânsito de produtos do Rio Grande do Sul até a capital do Império, o Rio de Janeiro. Era por ela que passavam tais produtos e onde havia grande movimentação de gado. O seu comércio de bovinos, que aumentara de importância a partir de meados do século XVIII, fazia-se com o Continente de São Pedro (antigo nome do Rio Grande do Sul).
Assim, as estradas até o estado vizinho traziam, igualmente, pessoas e ideias.
Na província de Santa Catarina, a população da Vila de Santo Antônio dos Anjos da Laguna (atual Laguna) só era menor que a de Desterro, capital da província (atual Florianópolis). Nos anos 1820, a população da Vila superava 7 mil habitantes e seu porto a fazia duplamente importante, sendo por terra e pelo mar um ponto de comércio e de defesa da província e do Brasil.
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Bento Ribeiro da Silva – também conhecido como Bentão –, era tropeiro e natural de São José dos Pinhais (PR). Casou-se com Maria Antônia de Jesus Antunes, paulista descendente de portugueses, em Lages (SC). O casal gerou 10 filhos, sendo Aninha a segunda filha mais velha. Relatos orais evidenciam uma convivência familiar pacífica, ainda que Aninha fosse definida como uma menina de “personalidade forte” pois, mesmo com as rigorosas demarcações nos papéis de gênero naquele período, Aninha cresceu observando e colaborando com as atividades do pai, inclusive durante as viagens a trabalho, além da aquisição de hábitos considerados impróprios naquele tempo, como, por exemplo, tomar banho de mar.
Com o crescimento da família, os Ribeiro fixaram residência em Morrinhos (SC), e Aninha, logo após o casamento de sua irmã mais velha, que se chamava Felicidade, assumiu a responsabilidade pelas tarefas domésticas e atividades laborais, auxiliando assim na manutenção da renda da família. Após o falecimento de Bentão, ocorrido provavelmente entre 1833 e 1835 (de acordo com evidências em documentos oficiais), Aninha se encarregou do sustento da família, que neste período começou a passar por dificuldades financeiras. Para os padrões de gênero da época, a falta de uma “figura masculina no comando do lar” desencadeou preconceitos e assédios de toda a ordem, dificultando ainda mais a busca por recursos financeiros.
Ainda assim, após o falecimento de seu pai, Aninha e seus familiares passaram a receber constantes visitas e auxílios de seu tio paterno, que também era tropeiro e muito interessado nas causas republicanas, ainda mais quando a população do sul do Brasil se encontrava insatisfeita com a administração política da monarquia vigente. As histórias sobre os ideais republicanos, contadas por seu tio, começaram a desencadear em Aninha o gosto por assuntos ligados à política e às noções de liberdade que permeavam o imaginário e os conceitos revolucionários daquele período.
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Referências:
CADORIN, Adilcio. Anita Garibaldi: A guerreira das repúblicas. 2001. Disponível em http://www.paginadogaucho.com.br
RIBEIRO, Fernanda Aparecida. Anita Garibaldi coberta por histórias. Tese de Doutorado em Letras. UNESP, 2010.
O período em que Aninha perdeu o pai e passou a sustentar a familia, culminando no casamento com o sapateiro Antônio Duarte, é registrado a partir de relatos orais. São depoimentos de pessoas contemporâneas ou de gerações imediatamente posteriores a Aninha, que informam sobre a personalidade e o comportamento dela. Segundo esses relatos, a altivez e a determinação de Aninha eram alvo de maledicências pela vizinhança, pois tais atos violavam as regras de conduta que delegavam papéis socialmente definidos e específicos às mulheres daquele período, às quais não eram confiadas atividades em instituições como as responsáveis pela segurança pública. Isto muito provavelmente foi um dos fatores principais que fizeram com que Aninha não fosse acolhida pelos policiais quando denunciou um ato de assédio sexual que teria sofrido. A violência sexual de homens contra mulheres ainda era vista com certa "naturalidade” por, em tese, o homem possuir maior força a poder sobre as mulheres. Dessa forma, as acusações de Aninha foram ignoradas. Ou melhor, elas serviram para colocá-la em uma posição transgressora perante a sociedade; era alguém que ultrapassava os limites impostos pelos padrões comportamentais de gênero, dotada de “particularidades” nas suas formas de pensar e agir.
Por todas essas questões, sua mãe Maria Antônia, aconselhada por um pároco local, obrigou Aninha a se casar com o sapateiro Manuel Duarte, em 1835. O nome "Anna Maria de Jesus Ribeiro" consta na certidão do casamento realizado na Igreja Santo Antonio dos Anjos, localizada em Laguna, no ano de 1835. Sabemos que Aninha casou-se a contragosto, mesmo entendendo que o casamento daria melhores condições de sustento à família.
Os relatos orais e evidências encontradas em cartas endereçadas a seu tio Antonio e a sua irmã Felicidade indicam que ela não se sentia satisfeita com o casamento. Manuel era alguns anos mais velho, mais introspectivo, com pouca instrução escolar e declaradamente legalista, ou seja, era a favor do sistema político vigente (regime monárquico). É provável que a falta de afinidade do casal tenha desencadeado o término do casamento, quatro anos após a celebração religiosa. De acordo com registros, Manuel alistou-se no exército imperial, abandonando, assim, sua esposa.
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Referências:
CADORIN, Adilcio. Anita Garibaldi: A guerreira das repúblicas. 2001. Disponível em http://www.paginadogaucho.com.br
RIBEIRO, Fernanda Aparecida. Anita Garibaldi coberta por histórias. Tese de Doutorado em Letras. UNESP, 2010.
RAU, Wolfgang Ludwig - Anita Garibaldi - O Perfil De Uma Heroína Brasileira. Florianópolis: Editora Lunardelli, 1975;
O homem que, tornando-se cosmopolita, adota a todas por pátria e vai oferecer a sua espada e o seu sangue ao povo que luta contra a tirania, é mais que um soldado – é um herói!
Frase de Barrault relatada por Garibaldi em suas memórias (1860)
Nascido em 1807 em Nice, filho de um marinheiro de origem genovesa, Giuseppe Garibaldi tinha o perfil de um jovem revolucionário, de espírito aventureiro e intrépido. Seguindo o ofício do pai, Giuseppe trabalhou com navegação mercantil. Em uma de suas viagens entrou em contato e aderiu ao movimento “Jovem Itália” fundado por Mazzini, cujo slogan era “união, força e liberdade”. Com esses ideais revolucionários, levou a cabo uma frustrada insurreição contra Piemonte e se viu obrigado a fugir, tornando-se um foragido condenado à morte. Por isso viajou para o Rio de Janeiro sendo recebido na Società Filantrópica Italiana, ligada aos revolucionários da Jovem Itália, onde conheceu Luigi Rosseti que se tornaria seu fiel amigo ao longo da vida. Garibaldi conheceu também Zambeccari, revolucionário ilustrado, condenado à morte na Itália e preso no Forte da Santa Cruz com Bento Gonçalves, líder da Revolução Farroupilha. Garibaldi aderiu e se tornou corsário pelos farroupilhas, liderando doze homens e a embarcação chamada “Mazzini”. Em 1º de setembro de 1838, Garibaldi foi nomeado capitão-tenente, comandante da Marinha Farroupilha e, então, realizou notáveis feitos militares no mar e em terra, grande parte ao lado de Anita que conhecera em Laguna. Na sequência, Garibaldi liderou incursões militares na Guerra Grande em oposição ao ditador da Argentina Juan Manuel de Rosas e em defesa da nova República do Uruguai. A maçonaria tinha grande influência nos revolucionários italianos e sul-americanos, assim, Garibaldi se relacionou com os líderes do grupo, tendo se iniciado em Montevidéu e, depois, sendo consagrado grão-mestre da Grande Oriente da Itália.
O prestígio heróico de Garibaldi já era reconhecido internacionalmente antes mesmo de voltar para a Itália e participar das batalhas pela unificação Italiana que o consagraram definitivamente. Suas façanhas entre batalhas mortais, fugas e salvamentos espetaculares, longas jornadas e arriscadas missões de bravura eram divulgados internacionalmente por jornalistas e escritores que ajudaram a construir a imagem do herói dos dois mundos.
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Referências:
DUMAS, Alexandre. Memórias de Garibaldi. Porto Alegre, L&PM, 2006.
BOURNE, Richard. Garibaldi In South America; London: Hurst & Company, 2020
SCIROCCO, Alfonso. Garibaldi, battaglie, amori, ideali di un cittadino del mondo. Bari, Laterza, 2011
As tropas farroupilhas chegaram à cidade de Laguna em julho 1839. Entre eles estava Giuseppe Garibaldi, guerrilheiro italiano que se juntou à causa republicana. Na ocasião, Garibaldi estava com 32 anos. Foi celebrada uma missa de ação de graças pela causa republicana. A infelicidade no casamento com Manuel Duarte, declaradamente monarquista, e divergências ideológicas entre Aninha e o pároco local fizeram com que ela se afastasse da igreja por alguns anos. Porém, tanto Aninha quanto o pároco comungavam do desejo de estabelecer o regime republicano no país. Animada com esta possibilidade, a partir do sucesso na batalha Farroupilha, a jovem compareceu à missa celebrada para receber os revolucionários.
Em 29 de julho de 1839, foi declarada a independência da República Catarinense, nas dependências da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Laguna. E foi neste mesmo período de estada dos Farroupilhas na cidade que Garibaldi conheceu Aninha, quando ainda se ambientava pela região, ao avistá-la em uma vila de pescadores à beira do Rio Pardo. Suas feições delicadas chamaram a atenção de Garibaldi. Por outro lado, ela também se encantou por Garibaldi, ao vê-lo ainda na referida missa aos Farroupilhas, pois a fisionomia e os trajes eram diferentes dos que se costumavam usar na cidade. De acordo com as memórias de Garibaldi, registradas pelo escritor e memorialista Alexandre Dumas, ao ser convidado para tomar café na casa de um cidadão lagunense, Garibaldi finalmente encontrou-se com Aninha. Ainda de acordo com o italiano, após o contato, na despedida, ele se dirigiu a Aninha e disse: “Tu deves ser minha”. A pouca familiaridade com a língua portuguesa e o desejo de se aproximar de Aninha fez com que Garibaldi, animado por saber que Anna Maria de Jesus Ribeiro era conhecida por seu nome no diminutivo, explicou em uma conversa com Aninha que, em italiano, ela seria chamada Anita.
E assim, feita a primeira aproximação, já delineada pelos interesses políticos e afetivos, Aninha passou a ser conhecida por Anita, e posteriormente Anita Garibaldi, ao casar-se algum tempo depois, no Uruguai, com aquele que se tornaria seu companheiro e pai dos seus filhos até sua morte.
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Referências:
CADORIN, Adilcio. Anita Garibaldi: A guerreira das repúblicas. 2001. Disponível em http://www.paginadogaucho.com.br
RIBEIRO, Fernanda Aparecida. Anita Garibaldi coberta por histórias. Tese de Doutorado em Letras. UNESP, 2010.
DUMAS, Alexandre.Memórias de Garibaldi. Título Original: “Memóires du Garibaldi (1860)”. Ed. Barbudania, 2014. Disponível em https://lelivros.love/
Anita, que conhecera Garibaldi em junho de 1839, em outubro já o acompanhava embarcada junto aos soldados. No dia 04 de novembro, o navio onde o casal estava foi atacado pelas forças imperiais na altura de Imbituba. Esse episódio marcou o batismo de fogo de Anita.
Ela pegou em armas, postando-se na primeira linha de atiradores. Posteriormente, ainda, auxiliou no atendimento aos feridos.
Na missão de transportar as armas até a orla e no seu retorno à embarcação,
ela talvez tenha realizado vinte vezes o trajeto, cruzando invariavelmente
sob o fogo inimigo dentro de uma pe quena barca com dois remadores ...
Ela, porém, de pé sobre a popa, no encruzamento dos tiros, surgia, ereta,
calma e altaneira como uma estátua de Palas, recoberta pela sombra
da mão que Deus naquelas horas pousava sobre mim. (Dumas, 2006, p.99)
Com a derrocada da República, em novembro, o casal seguiu para o Rio Grande do Sul. Na localidade de Santa Vitória, na atual divisa entre os estados, ocorreu novo combate. Mesmo cercados por forças federais em número muito superior, saem vitoriosos.
No começo de 1840, em 12 de janeiro, em Curitibanos, aconteceu o Combate das Forquilhas. Nesse episódio os imperiais massacraram os revoltosos e Anita foi feita refém. Porém, durante a madrugada, sob o argumento de localizar o corpo de Garibaldi, tomou um cavalo da guarda e fugiu pela mata, atravessando o Rio Pelotas a nado.
Em 12 de janeiro de 1840, estando à procura da tropa imperial comandada
por Mello Albuquerque, os farroupilhas são surpreen didos
na região de Curitibanos, perto do rio Marombas.
Nessa ocasião, Anita é feita prisioneira e levada ao acampamento dos im periais.
O coronel Albuquerque lhe dá permissão para verificar se o corpo de Garibaldi
está entre os mortos do combate e, não o en contrando,
Anita busca uma maneira de fugir para ir ao encontro de seu companheiro,
o que consegue à noite, provavelmente por algum descuido da guarda.
(RIBEIRO, 2011, p.25)
No combate naval de 15 de novembro de 1839, no qual havia mais de três navios imperiais para cada navio republicano, Anita arriscou-se num bote a remo, transitando no fogo cruzado para abastecer os barcos republicanos de mantimentos e munição.
Numa das mais sangrentas batalhas da Guerra dos Farrapos, no começo de janeiro de 1840, centenas de revoltosos foram mortos e Anita foi feita prisioneira. O chefe das forças legais teria autorizado Anita, que estava grávida, a localizar o corpo de Garibaldi, que supostamente estaria entre os mortos. Como era noite, Anita aproveitou-se de descuido dos soldados, apanhou um cavalo e embrenhou-se na floresta. Posteriormente, ela atravessou o Rio Canoas a nado, reencontrando Garibaldi dias depois.
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O Inimigo é numeroso, nós somos poucos; melhor ainda! Mais gloriosa será a luta. Fiquem calmos! Não atirem até eles estarem próximos, então atinjam-nos com a baioneta. Garibaldi na batalha de San Antonio (8 de fevereiro de 1848) Em 21 de junho de 1841, Giuseppe e Anita Garibaldi chegam a Montevidéu com o primeiro filho Menotti e com uma parte do gado que ganharam por seus serviços na Revolução Farroupilha. Por um tempo, Giuseppe ganhou sustento como professor de matemática e corretor, enquanto Anita daria à luz mais três filhos, Rosita (1843) que faleceu aos dois anos, Teresita (1845) e Ricciotti Garibaldi (1847). Foi oficiado o casamento em 26 de março de 1842 em Montevidéu. No mesmo ano, Giuseppe juntou-se à Guerra Grande em diversas batalhas navais e incursões militares pela libertação do Uruguai contra Manuel Juan de Rosas, que exercia uma ditadura na Argentina. Anita, que mantinha uma vida doméstica, passou a sentir ciúmes do Marido, chegando a cortar os seus cabelos. Em carta revela que: “O fato é que eu fico meio ressabiada com elas, porque são completamente diferentes de mim, todas lindas, bem cuidadas, elegantes, maquiadas. “Se você visse as dengues e os gritinhos delas quando se amontoam ao redor do meu marido! Agora ele é famoso, conhecido, comanda a tropa uruguaia, e o isto o torna mais irressistível... É claro que ele gosta. É quase impossível para ele resistir. E eu, que conheço as suas fraquezas, acho o jogo delas angustiante..(...).Comecei a gritar para o José que ele deixava os cabelos compridos de propósito, só para atrair as mulheres. Ele ria, divertido e eu gritava mais ainda, com lágrimas nos olhos. Quando percebeu que eu estava sofrendo de verdade, ele ficou sério, colocou as tesouras na minha mão e disse: corte o que você quiser! Eu estava tão fora de mim que cortei os seus lindos cabelos.” Em Montevidéu havia uma significativa população de imigrantes Italianos, o que favorecia a formação da legião Italiana liderada por Garibaldi e a criação de células da Jovem Itália, propagando seus ideais revolucionários. Como uniforme para a sua Legião Italiana, foram utilizadas camisas vermelhas que passaram a ser um símbolo dos legionários de Garibaldi. Um dos momentos mais heróicos e memoráveis foi a chamada batalha de San Antônio em 8 de fevereiro de 1846, em que Garibaldi, com menos de 200 legionários, enfrentou quase 1200 cavaleiros e 300 soldados inimigos. Sua liderança e estratégia foram reconhecidas pelo governo que lhe concedeu o mais alto grau na hierarquia militar em Montevidéu”. No entanto, escreve Anita sobre esta prestigiosa nomeação. “não teve os resultados felizes que podíamos esperar. Pelo contrário, surgiram tantas invejas, tantos rancores entre os políticos e os militares, que José preferiu renunciar à nomeação oficial…(...) Sei também que ele continua a nos amar, com aquele afeto profundo que nasce da alma.” :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 10 Referências: BOURNE, Richard. Garibaldi In South America; London: Hurst & Company, 2020 CADORIN, Adílcio, Anita a guerreira das repúblicas, IOESC, 1999 Em meio a toda sorte de acontecimentos experimentados por Anita nos combates, prisões e fugas, a heroína engravidou de seu primeiro filho, Menotti. Menotti nasceu em setembro de 1840, em Mostardas (RS). Ainda em resguardo, menos de 15 dias após dar luz, Anita é cercada por forças imperiais que a forçam a empreender mais uma fuga épica, levando o recém-nascido preso ao seu corpo enquanto galopava, retirando-se da casa onde se restabelecia. Nasce, no dia 16 de setembro de 1840, Domingos Menotti Garibaldi, o primogênito de Anita e Garibaldi, Logo depois, o casal seguiu para o Vale do Rio das Antas, onde experimentou, junto a outros revoltosos, grande flagelo. Diante da perda de força da revolução, Garibaldi e Anita seguiram para o Uruguai. Estabelecido em Montevidéu, o casal teve mais três filhos: Rosita, Teresita e Ricciotti. Rosita morreu ainda criança na capital uruguaia. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 11 Referências: RIBEIRO, Fernanda Aparecida. Anita Garibaldi coberta por histórias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. (Coleção PROPG Digital - UNESP). ISBN 9788579832123. ELÍBIO JÚNIOR, Antônio Manoel, and SCHMITZ, Sergio. Uma heroína na história: representações sobre Anita Garibaldi. Estados Unidos, Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2000. MARKUN, Paulo. Anita Garibaldi: uma heroína brasileira. Brasil, Editora SENAC São Paulo, 1999. No dia 3 de março de 1848, Anita, seus três filhos pequenos e as outras famílias de legionários, com quem compartilharam 60 dias de navegação, chegaram ao porto de Gênova. Era época de carnaval e foram surpreendidos por uma multidão em uma calorosa recepção com clima de entusiasmo patriótico. No dia 8 de março, Anita foi para para Nice e se hospedou com a família Garibaldi. Antes de partir, ela enviou uma carta a seu amigo Stefano Antonini, contando com entusiasmo a sua recepção: Estimadíssimo senhor, Tenho prazer de lhe informar sobre minha feliz chegada a Gênova, depois de uma viagem felicíssima de cerca de dois meses. Tenho sido festejada pelo povo genovês de modo singular. Mais de 3 mil pessoas vieram debaixo de minha janela gritando: - Viva Garibaldi, viva a família de Garibaldi! – E me deram uma bela bandeira com as cores italianas, para que a entregue ao meu marido tão logo chegue à Itália, para que seja o primeiro a finca-lo sobre o solo lombardo...(...) por todo canto não se fala de outra coisa a não ser unir a Itália mediante uma liga política e alfandegária e depois liberar os companheiros lombardos do domínio estrangeiro... Há alguns dias estive na ópera e ontem à tarde na comédia; visitei os principais lugares da cidade e da vizinhança e amanhã parto no vapor para Nice. Ficarei agradecida, no caso de meu marido não ter partido ainda, de pedir-lhe que o faça e dizer-lhe que os últimos acontecimentos da Itália devem fazer com que acelere sua partida. Saudando-o pois, afetuosamente, Gênova, 7 de março 1848 Sua devotada serva Ana Garibadi.. Giuseppe chegou a Nice em junho de 1848, a bordo do navio Speranza, após 14 anos de exílio. Levou de Montevidéu os restos mortais de Rosita, a filha do casal. Porém, o reencontro do casal durou pouco tempo e, em seguida, ele partiu com seus legionários para se envolver na primeira guerra pela Independência Italiana que já havia começado. Assim que ele saiu, Anita foi morar na casa de uma amiga, indicando problemas de relacionamento com Rosa Raimondi, mãe de Giuseppe. Antes de partir para a Itália, Giuseppe já demonstrava preocupação com o relacionamento das duas, como escreveu numa carta enviadaà esposa por Giacomo Medici, em 10 de fevereiro de 1848: "Mas, pelo amor de Deus, não se separem, porque eu não aguentava a ideia de uma briga entre as duas pessoas, que representam a minha felicidade futura ". Ou, apenas um mês depois: "Você vai cuidar muito bem da minha pobre velha por minha causa, você vai perdoar os mal-entendidos que a velhice pode ter causado a ela." :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 12 Referências: CAVICCHIOLI, Silvia; Storia e mito di Anita Garibaldi; Einaudi, Torino, 2017. Após seus feitos militares na América do Sul, Giuseppe Garibaldi retornou à Itália em 1848 coincidindo com a onda revolucionária que estava ocorrendo na Europa conhecida como “primavera dos povos”. Na Itália, as lutas pela unificação republicana e contra o domínio austríaco reacenderam o que ficou conhecida como a Primeira guerra da independência italiana contra a dominação austríaca, instituída no congresso de Viena em 1815, após a derrota de Napoleão. Logo após sua chegada, Garibaldi levou seus legionários para batalhas contra o domínio austriaco na Lombardia, somando às tropas enviadas pelo Rei da Sardenha, Carlos Alberto. Embora o número das tropas austríacas tenha prevalecido, a bravura de Garibaldi liderando seus legionários logo após sua chegada mostrava a sua força e o peso que teria nas lutas pela unificação italiana. Naquele mesmo ano foi assassinado o ministro da Justiça dos Estados Pontifícios, agravando o clima de instabilidade política em Roma, que teria como resultado a saída do Papa e a instauração da República de Roma pelos revolucionários no Início de 1849. Assim é descrita a impressão do povo ao vê-lo chegar a Roma: “Este vencedor misterioso, circundado de uma aureola de gloria tão brilhante, que, estranho às discussões da assembleia, e ignorando-as, entrava em Roma na véspera mesmo do dia em que a república ia ser atacada, era, no espírito do povo romano, o único homem capaz de sustentar o decreto de resistência. Por isso, imediatamente se reuniram ao homem que personificava as necessidades instantâneas e que era a esperança de todos” Por Biagio Miraglia, citado em Memórias de Garibaldi A República Romana passou a ser liderada por um triunvirato que incluiu Giuseppe Mazzini e elegeu Garibaldi como parlamentar e general. O Papa apelou aos líderes de países católicos que restaurassem a ordem em Roma e, assim, Napoleão III enviou tropas que foram repelidas por Garibaldi e seus leginários. Mazzini divergiu de Garibaldi e buscou uma solução diplomática com os franceses, o que não deu resultados, pois o cerco francês se agravaria com reforços. Anita chegou de surpresa. Acostumada a combater ao lado do marido, ela se juntou a Giuseppe e seus legionários e participou da resistência no Janículo, local onde mais tarde seriam erigidos os monumentos honoríficos. A heroína descreveu a situação nesta carta enviada à irmã: “Estou em Roma há cinco dias e receio que tenhamos que deixá-la amanhã, depois das terríveis lutas onde morreram muitos corajosos companheiros... Além disso, saí de Nice sentindo-me pela primeira vez oprimida pela angústia e essa sensação persiste até hoje. Ao beijar as crianças cheguei a me perguntar estupidamente se algum dia voltaria a vê-las! Depois de Ter pedido à "mama" Deideri que cuidasse dos meus filhos com carinho, peguei meu cinturão com a pistola e fui para Gênova, onde esperava obter um empréstimo e embarcar para Livorno....fui, embora tomada por uma profunda depressão, que não passou nem quando cheguei em Roma... passei alguma dificuldade para achar o quartel, que nos últimos tempos tinha mudado de lugar duas ou três vezes. Para chegar até ele tive que atravessar a cidade, que estava suja e caótica como nunca. Além diso as ruas estão cheias de destroços e de gente apavorada com os bombardeios.... Ao chegar abri a porta do salão e vi o José, muito pálido, em pé atrás de uma mesa, rodeado pelos seus oficiais. Todos estavam debruçados sobre um mapa... De repente o José ergueu os olhos e me viu. Do olhar triste e cansado ao clarão da alegria e reconhecimento, passou-se um segundo, o suficiente para que eu entendesse tudo, a sua prostração, a tristeza infinita, a necessidade de um rosto amigo, a felicidade de um homem que, num momento crítico de sua viida, vê uma pessoa que o ama. Ouvi sua voz, rouca mas decidida dizendo: - Senhores, esta é a minha mulher Anita. Temos mais um soldado - Ante que eu tivesse tempo de falar, uma explosão muito próxima fez cair o reboco das paredes, levantando uma nuvem de poeira. Parte da cidade já estava destruída pelo fogo dos canhões que continuavam incessantemente.... A noite fiz um curativo na perna ferida de José... enquanto isso ele ia desabafando, contando as sujeiras que lhe tinham feito, as brigas com Mazzini, a dor de saber que a batalha de Roma não poderia ser ganha, conforme lhe tinha sido ordenado, pois haviam quilômetros de murros expostos aos ataques inimigos... Já fazia tempo que queria levar as tropas para fora de Roma, para organizá-las e surpreender o inimigo. Mas as ordens era de resistir e o único resultado era a morte inútil dos seus homens, amigos e companheiros. Por isso sua tristeza era marcada pela raiva.... De manhã cedinho... caminhei por longo tempo pelas ruas cobertas de detritos. Lembro-me dos escombros sobre os quais se apoiavam os feridos, com as roupas ensanguentadas... Mas o pior foi ontem, quando lutamos o dia inteiro, sobre os muros aurelianos, com uma enorme perda de homens. Que dor eu senti ao ver, de repente, Aguiar morto ao meu lado... o corajoso, leal e doce Aguiar está morto, vítima do fogo francês sobre o Gianículo. Levei pessoalmente a notícia ao José... Mas nem eu nem ele conseguimos conter as lágrimas... A loucura humana, a tirania, o ódio, exploração dos mais fracos parecem não ter fim... " Anita Garibaldi, “A Mulher do General”, citado em CADORIN 1999 Após heroicas batalhas, Garibaldi e seus legionários, junto com Anita já adoecida e grávida, foram obrigados a deixar Roma. Garibaldi decidiu ir à Veneza lutar na resistência contra os austríacos. Durante a fuga, Anita faleceu na presença de Garibaldi no dia 4 de agosto de 1849, em Mandriole, próximo a Veneza, para onde eles se dirigiam. Apesar dos sacrifícios e esforços militares empreendidos, Garibaldi não foi capaz de livrar Veneza do domínio autríaco e continuou, após esses episódios, a trabalhar e a viajar para diversas partes do mundo, incluíndo EUA. Nesse ínterim, entre 1853 a 1856, a França sob Napoleão III (que poucos anos antes havia feito o cerco contra a República de Roma), passou a ser aliada do Reino da Sardenha na Guerra da Crimeia. Carvour, primeiro-ministro do Reino de Sardenha, agora sob regência de Rei Vitor Emanuel II, soube tirar proveito do pacto de proteção mutua com a França, provocando a Áustria para um conflito bélico com a ajuda francesa. Assim, tiveram início as batalhas que ficaram conhecidas como a Segunda Guerra da Independência Italilana. Em 1857 Garibaldi entrou na guerra liderando os Caçadores dos Alpes. No fim, o Reino de Sardenha anexou o Piemonte, liberando a região do domínio austríaco. Porém, para a frustração de Garibaldi, a sua terra natal, Nice (ou Nizza), passou para domínio Francês. Em 1860, Garibaldi foi convidado a apoiar uma rebelião na Sicília, no Sul da Itália e levou a cabo mais uma incursão que ficou conhecida como a “Expedição dos Mil”. A partir daí, Garibaldi conquistou Nápoles em 7 de setembro de 1860. Os plebiscitos da Sicília e de Nápoles ratificaram a ligação do Reino das Duas Sicílias à Sardenha. Foi instituído o Reino da Itália sob Victor Emanuel II, porém ainda faltava unificar Vêneto e Roma. Em 1862, Garibaldi continuou realizando ofensivas militares contra austríacos nas regiões não anexadas e também avançou visando Roma, porém, acabou ferido em combate e voltou para Nice. Em 1866 estourou a Terceira Guerra da Independência, uma aliança entre o Reino da Itália e a Prússia, onde o general também teve um papel de destaque. Finalmente, o Vêneto foi anexado em 1866, porém, o mesmo só ocorreu com Roma em 1870. Apesar da vontade e das ofensivas de Garibaldi, que acabou preso novamente, foi apenas na derrota do Império Francês e na rendição de Napoleão III, em 2 de setembro de 1870, que Roma foi anexada. O ato ocorreu em 2 de outubro de 1870 após um plebiscito. Mesmo com a Unificação Italiana, Garibaldi não descansou e passou a lutar em defesa da recém proclamada Terceira República da França, em guerra, contra a Prússia. Ele envolveu, inclusive, seus filhos Ricciotti e Menotti. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 13 Referências: CADORIN, Adílcio, Anita a guerreira das repúblicas, IOESC, 1999 MONTANELLI, Indro & NOSSA, Marco. Garibaldi. Milano, Rizzoli Editore, 1962 SCIROCCO, Alfonso. Garibaldi, battaglie, amori, ideali di un cittadino del mondo. Bari, Laterza, 2011 Diante da iminente queda da República de Roma, Giuseppe Garibaldi patrioticamente convocou os seus legionários para continuar as batalhas pela Unificação Italiana: A sorte, que hoje nos traiu, sorrirá para nós amanhã. Estou saindo de Roma. Aqueles que quiserem continuar a guerra contra o estrangeiro, venham comigo. Não ofereço pagamento, quartel ou comida. Ofereço somente fome, sede, marchas forçadas, batalhas e morte. Os que amam este país com seu coração, e não com seus lábios apenas, sigam-me. Anita já estava adoecida durante a fuga, falecendo no dia 4 de agosto de 1849, aos 27 anos, nos braços do seu amado Giuseppe. Ela estava grávida do que seria o quinto filho do casal. O italiano teve que continuar a fuga, prometendo futuramente retornar para dar um sepultamento digno a Anita. Ela foi enterrada rapidamente em cova rasa. Pouco depois o corpo foi encontrado e encaminhado para um sepultamento no cemitério local, localizado nos fundos da Igreja da cidade de Mandriole. Alguns Garibaldinos sequestraram os restos mortais de Anita e realizraam outro sepultamento. O padre, porém, os convenceu a devolver os restos mortais com a promessa de realizar um sepultamento no interior da igreja. Assim foi feito o quarto sepultamento de Anita. Dez anos depois, Giuseppe voltou com os filhos e cumpriu a sua promessa, reconduzindo os restos mortais de Anita junto ao jazigo familiar em Nice. Porém, aquela região, que na época estava sob a proteção do Ducado de Savoia, passou em 1860 a ser domínio Francês. Em 1931, Mussolini decidiu levar os restos mortais da heroína para a Italia, porém, antes da conclusão do monumento, foi realizado um sepultamento provisório em Gênova. Somente no ano seguinte, em 1932, depois de concluído o monumento, foi realizada uma grandiosa cerimônia com clamor popular e discurso presidencial. Assim, a heroína foi definitivamente sepultada no Janículo, em Roma, em 1932, totalizando sete sepultamentos. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 14 Referências: DUMAS, Alexandre. Memórias de Garibaldi. Porto Alegre, L&PM, 2006. BREGANTIN, Helen Lemos. Anita Garibaldi: a construção de uma heroína em biografias populares (1849-1999). 2018. 89 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca, 2018. Disponível emhttps://repositorio.unesp.br/handle/11449/183443 CADORIN, Adílcio, Anita a guerreira das repúblicas, IOESC, 1999 A Morte e os 7 Sepultamentos de Anita Garibaldi - YouTube
Devia pertencer a outro, mas a sorte havia-me destinado essa flor do Brasil, que eternamente chorarei. Não era só nos prazeres e alegrias que a encontrava sempre a meu lado, foi na adversidade que eu conheci o quanto valia o nobre coração da mãe de meus filhos. Anita! Cara Anita! Giuseppe Garibaldi em suas memórias (1860) A morte de Anita Garibaldi, em agosto de 1849, foi seguida da necessidade de exílio de Giuseppe nos Estados Unidos, onde ele viveu entre 1850 e 1854[1]. Trabalhando como marinheiro mercante, viajou para a Austrália, Peru, Bolívia, China e por último Inglaterra, onde manteve contatos político importantes, tendo, na sequência, decidido retornar à Itália para continuar a lutar pela unificação da península[2]. Giuseppe acabou por se engajar, em 1859, na luta para a expulsão dos austríacos da Itália, seguida por uma insurreição na região da Sicília em 1860, momento em que Garibaldi segue para lá liderando a chamada “Expedição dos Mil”, na qual consegue conquistar a região e a entregar ao Reino Unificado da Itália[3]. Neste período, ele também trabalhava para trazer notoriedade à tarefa de unificação italiana, utilizando como estratégia, inclusive, o destaque de sua própria pessoa e ideias, como forma de atrair outros para a luta pela unificação[4]. A busca pela publicação de suas memórias teve grande relação com esse contexto. Foi no mês de janeiro de 1860 que Giuseppe conheceu pessoalmente Alexandre Dumas, em Turim, já na época um importante literato. Com ele passou a tratar da publicação de suas memórias[5]. Alexandre Dumas tinha grande notoriedade, sendo bem inserido na sociedade de sua época e conhecido pela publicação de obras como Os Três Mosqueteiros (1844) e O Conde de Monte Cristo (1845). Ele também escrevia e editava artigos para jornais, sendo chefe dos periódicos L’Independente (Nápoles), Le Monte-Cristo (Paris) e Le Mois (França) [6]. Dumas já havia mencionado Garibaldi na obra Montevideo ou Une Nouvelle Troie (1850), como o “herói de olhos azuis e cabelos louros” que defendeu a capital uruguaia contra o vilão Juan Manuel de Rosas (1793-1877). Garibaldi escreveu uma carta em agradecimento[7]. A “Expedição dos Mil” liderada por Giuseppe na Sicília (1860) foi acompanhada pessoalmente por Dumas, que documentou os fatos para o jornal Le Siécle, em um importante trabalho publicitário para a causa garibaldina[8]. A obra Memórias de Garibaldi, que abrangeu principalmente os treze anos que ele passou na América do Sul, foi resultado do trabalho de Dumas. Ele reescreveu um manuscrito recebido de Giuseppe, agregando entrevistas com pessoas que com ele conviveram[9]. A veracidade dos fatos ficou a cargo de Garibaldi, que narrou acontecimentos desde sua infância até a retirada de Roma em 1849. Isso acabou por destacar não fatos de sua vida individual, mas ações que o tornaram o herói da unificação italiana, o que seria reforçado também pelas pessoas que o cercaram[10]. A descrição de Anita na obra Memórias de Garibaldi acabaria por acompanhar o heroísmo de Giuseppe, ficando não só à sua altura, como reforçando-o. Ela é assim descrita como heroína destemida, que se destaca nos combates pelas iniciativas e ousadias. “Inicia-se, nesse relato, o processo de canonização [....] da imagem de Anita como heroína impávida e companheira fiel de Garibaldi” [11]. Nas memórias, são afastados detalhes e episódios, como o do primeiro casamento de Anita, que poderiam ser interpretados negativamente pela sociedade, predominando a descrição de uma verdadeira heroína romântica [12]. Giuseppe, ao descrever a companheira em meio aos combates em Laguna, a compara à imagem de uma estátua da deusa Palas Atena, de pé, ereta, calma e altaneira, conduzindo um barco em meio ao tiroteio para auxiliar a tropa farroupilha[13]. “Atenas é considerada tanto a deusa da sabedoria como a protetora, conselheira e patrona de homens heroicos” [14]. As Memórias de Garibaldi acabaram por se transformar na primeira fonte da história sobre Anita. O fato de estarem diretamente embasadas pelos relatos e testemunhos de Giuseppe conferiu a elas boa parte de sua sustentação. A imagem de Anita edificada por Garibaldi acabaria sendo repetida depois pelos historiadores que corroboraram e solidificaram a sua heroicidade, sendo que o fato de ela o ter acompanhado pelas batalhas na América do Sul e na Itália lhe trouxe o epíteto de “heroína dos dois mundos” [15]. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 15 [1] ALMEIDA, Carmen Lícia Palazzo de. Garibaldi: Republicano e Revolucionário Internacional. Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v.XVII, n. 2, p.5-16, dezembro, 1991. [2] ALMEIDA, op.cit. [3] ALMEIDA, op.cit. [4] Carta apud NOGUEIRA, Isabella. Alexandre Dumas e Giuseppe Garibaldi: a construção de um herói? In IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA: cultura, sociedade e poder, 4., 2014, Jataí. Anais [...] Jataí Go: UFG, 2014. Disponível em: http://www.congressohistoriajatai.org/2014/anais2014.html. Acesso em: 25 fev. 2021. [5] NOGUEIRA, Isabella. Alexandre Dumas e Giuseppe Garibaldi: a construção de um herói? In IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA: cultura, sociedade e poder, 4., 2014, Jataí. Anais [...] Jataí Go: UFG, 2014. Disponível em: http://www.congressohistoriajatai.org/2014/anais2014.html. Acesso em: 25 fev. 2021. [6] NOGUEIRA, op.cit. [7] NOGUEIRA, op.cit. [8] NOGUEIRA, op.cit. [9] NOGUEIRA, op.cit. [10] RIBEIRO, Fernanda Aparecida. Anita Garibaldi: coberta por histórias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/109188 [11] RIBEIRO, op.cit, p.29. [12] RIBEIRO, op.cit. [13] RIBEIRO, op.cit. [14] RIBEIRO, op.cit, p.31. [15] RIBEIRO, op.cit.
Mesmo com tantas memórias sobre o caráter tão peculiar de Anita para aquele período, que a colocava como mulher guerreira, altiva e destemida, logo após a sua morte seu nome quase caiu no esquecimento, vivendo praticamente à sombra do marido Giuseppe Garibaldi. Este “esquecimento” era proposital, tendo em vista que todas as tentativas de desestabilização e destituição do regime monárquico eram rechaçadas. E ainda no caso de Anita, por ser mulher, havia as condições de gênero demarcando valores morais, que por sua vez marginalizavam mulheres que não seguiam os padrões comportamentais impostos. Assim, o processo de reconstrução da figura heroica de Anita só foi possível a partir do advento da república quando, curiosamente, as peculiaridades em torno de sua figura, como a transgressão aos padrões de gênero, passaram a ser motivo de orgulho e heroísmo. Assim, após Anita ser reconhecida pela nação italiana, passou a ser vista como heroína da nação brasileira, em um momento onde eram evidentes os processos de remodelação dos conceitos de nação, nacionalidade e seus ideais de unificação e territorialidade. A força da mulher nas lutas por igualdade começava a permear os símbolos da modernidade que remodelavam o mundo no limiar do século XX. Neste ínterim, como coadjuvantes deste processo, centros de memória e história nacionais passaram a atuar como importantes meios de se fundamentar os novos padrões sociais e políticos modernos, como, por exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. As pesquisas, documentos, obras oriundas do IHGB, bem como dos institutos históricos estaduais, fizeram emergir, entre outros registros, biografias de personalidades que colaboraram com a consolidação do regime republicano. Dessa forma, a história de Anita passou a ser estudada, analisada e divulgada, instigando assim as primeiras homenagens, principalmente em território catarinense, como criação de monumentos, nomes de localidades e logradouros, museus e institutos em sua memória, sobretudo no Sul do país. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 16 Referências: Helen Lemos. Anita Garibaldi: A construção de uma heroína em biografias populares (1849-1999). ELÍBIO JÚNIOR: Uma heroína na história: representações sobre Anita Garibaldi. Enquanto, no Brasil, a memória de Anita permaneceu oculta ao longo do século XIX, na Itália ela passou a ser celebrada juntamente com seu marido Giuseppe Garibaldi como heroína da unificação italiana. O nome de Anita ainda era lembrado pelos libertários que lutaram pela Itália, quando Giuseppe retornou (1859) do exílio ao qual se submetera por dez anos, após a morte da companheira, para buscar os restos mortais da esposa que haviam sido escondidos por correligionários. Após recuperar, em Mandriolle, os despojos de Anita, Giuseppe realizou em seguida, juntamente com os filhos do casal, um cortejo, erguendo a urna funerária ao longo do caminho até o Palácio do Governo. Dessa forma, mostrou a todos que não eram apenas restos mortais de sua esposa, mas a imagem de Anita que começava a ser afirmada como heroína na Itália[1]. Dentre as homenagens prestadas posteriormente na Itália, destacou-se a construção, em 1932, de um grande monumento equestre celebrando Anita. O monumento foi erguido na colina do Gianicolo, em Roma, local onde Giuseppe Garibaldi lutou (1849) pela defesa da República Romana contra o exército francês. Esse monumento foi parte de um conjunto de comemorações realizadas pelo governo italiano no cinquentenário da morte de Giuseppe Garibaldi, naquele que foi chamado de L’anno Garibaldino (O Ano Garibaldino)[2]. A Itália vivia naquele período sob um governo fascista (1922-43), liderado por Benito Mussolini (1883-1945), que no dia da inauguração do monumento dedicado a Anita, em 4 de junho de 1932, afirmou em discurso ao público presente que o fascismo era uma continuidade do garibaldianismo[3]. Mussolini se apresentou, assim, como herdeiro das tradições heroicas dos Garibaldi, tendo para isso contado com o apoio do neto de Anita, Ezio Garibaldi, sétimo filho de Ricciotti, o caçula do casal, que era na época presidente da Federação Nacional dos Voluntários Garibaldinos[4]. O monumento, junto com um conjunto de outras iniciativas celebrativas ao longo do ano de 1932 centradas no casal Garibaldi, foi uma maneira de o regime fascista se utilizar da imagem de Anita e Giuseppe para se promover. Mas não só monumentos resultaram da memória a respeito de Anita e Giuseppe na Itália. A integração entre cidades italianas e brasileiras, chamada de gemellaggio, ou cidades irmãs, foi outra iniciativa desenvolvida. Esse acordo é estabelecido entre cidades que possuem em suas histórias, ou origens, pontos comuns com os quais se identificam, sendo uma oportunidade de renovar parcerias, reforçar amizades, uniões e manter vivas memórias e vínculos. O acordo de Gemellaggio foi assinado em 26 de abril de 1996 entre as cidades de Mostardas (RS), onde nasceu Menotti o primogênito do casal Garibaldi, e a cidade de Aprilia, na Itália, onde ele está sepultado. Na cidade italiana, na Piazza Mostardas, foi plantada uma muda de figueira com um punhado de terra retirada de São Simão (RS)[5]. O mesmo acordo foi assinado (1999) entre as cidades de Capivari do Sul (RS) e Mentana, na Itália, sendo nesta última inaugurada uma via com o nome Capivari-Anita Garibaldi, em homenagem ao acordo[6]. Capivari do Sul foi de onde saíram os barcos utilizados por Giuseppe Garibaldi na tomada de Laguna. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 17 [1] BREGANTIN, Helen Lemos. Anita Garibaldi: a construção de uma heroína em biografias populares (1849-1999). 2018. 89 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca, 2018. Disponível em https://repositorio.unesp.br/handle/11449/183443 [2] FOGU, Claudio. Fascism and Historic Representation: The 1932 Garibaldian Celebrations. Journal of Contemporary History (SAGE, London, Thousand Oaks, CA and New Delhi), Vol. 31 (1996), 317-345. [3] FOGU, op.cit. [4] BREGANTIN, op.cit. [5] BREGANTIN, op.cit. [6] BREGANTIN, op.cit.
A Coleção Garibaldina foi constituída por Wolfgang Ludwig Rau, um imigrante teuto-suíço que chegou com sua família a Santa Catarina em 1930. Ele se naturalizou brasileiro em 1940, tendo ingressado na faculdade de arquitetura em Curitiba (PR), mudando-se definitivamente para Florianópolis (SC) quatro anos depois. Rau projetou, entre 1940 e 1970, inúmeros edifícios com destaque para o Cine Marajoara, em Lages (1947); o Cine Mussi, em Laguna (1950); o Cine São José, em Florianópolis (1954)[1]; e o Palácio das Secretarias Estaduais, em Florianópolis (1955). O interesse de Rau por Anita surgiu quando recebeu a incumbência de desenhar, para a Associação Filatélica de Santa Catarina, uma folhinha de Primeiro Dia de Emissão para 14 de abril de 1967, destinada ao selo postal de uma série em homenagem a mulheres brasileiras célebres[2]. Naquela época, teriam começado suas pesquisas e estudos programados sobre Anita, os quais, ao longo dos anos, se desdobrariam em pesquisas pela América do Sul e Europa, motivando-o a redigir uma biografia documentada sobre ela[3]. O esforço de Rau resultou numa série de publicações[4] sobre o casal Garibaldi, mas em especial sobre Anita. A sua principal obra, intitulada Anita Garibaldi: o Perfil de uma Heroína Brasileira, foi publicada em 1975 e teve seu prefácio feito por Oswaldo Rodrigues Cabral, no qual o historiador catarinense reconheceu o mérito da pesquisa realizada por Rau. Houve igualmente, ao longo da pesquisa, um investimento na coleta não só de documentos que fornecessem informações sobre Anita, mas de objetos a ela relacionados de forma direta ou indireta. O acervo da coleção é extremamente heterogêneo, contando com elementos que amparam as publicações de Rau, como documentos impressos, manuscritos, cartas, fotos, gravuras e mapas, mas também souvenirs (cinzeiros, chaveiros, etc), bustos, armas, utensílios domésticos, selos postais, maquetes, objetos arqueológicos e de uso campeiro, além daqueles com uma clara função de relíquia, como um pedaço do mastro do navio utilizado por Giuseppe Garibaldi para tomar Laguna em 1839, um pedaço do piso da casa onde Anita morreu na Itália e terra da primeira sepultura de Anita. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 18 [1] ELÍBIO JÚNIOR, Antônio Manoel. Do colecionismo privado à Musealização do Objeto: a trajetória da Coleção de Wolfgang Ludwig Rau. Revista Memória em Rede, Pelotas/RS, v.4, n.10, jan./jun. 2014. Disponível em:<http://www2.ufpel.edu.br/ich/memoriaemrede/beta-02-01/index.php/memoriaemrede/article/view/228>. Acesso em 10 jan. 2017. [2] RAU, Wolfgang L. Anita Garibaldi: o perfil de uma heroína brasileira. Porto Alegre: Edeme, 1975. [3] RAU, op.cit. [4] - A heroína Anita Garibaldi : uma revelação farroupilha em território catarinense : breve análise de sua personalidade. 48 p. Florianópolis, Ed. do Autor, 1986. - Anita Garibaldi : o perfil de uma heroína brasileira. 524 p. Florianópolis, Ed. do Autor, [s.d.][s.l.], EDEME, 1975. - As sucessoras de Anita Garibaldi : Marquesa Giuseppina Raimondi 1860, Dona Francesca Armosino 1880 : apontamentos para a historia privada do General José Garilbaldi. 100 p. Florianópolis, Ed. do Autor, 1987. - Cronologia de Giuseppe e Anita Garibaldi : 1807-1882. 43 p. Florianópolis, Conselho Estadual de Cultura, 1982. - Onde Nasceu a Lagunense Anita Garibaldi : depoimento sobre o lugar de nascimento e resumo biográfico da heroína dos dois mundos. 28 p. Florianópolis, Ed. do Autor, 1982. - Vida e Morte de José e Anita Garibaldi : cronologia ampliada : 1807 - 1882. 134 p. Laguna, SC, Ed. do Autor, 1989.
Os papeis sociais das mulheres em Santa Catarina, sobretudo no século XIX, estavam vinculados à organização e dedicação integral à vida doméstica e à maternidade, atribuições não muito diferentes dos padrões de comportamentos europeus. Salientamos, contudo, que no caso brasileiro, quando tratamos das questões de gênero e seus papéis sociais, estamos tratando da população branca imigrante, pois é importante ressaltar que a população não branca, principalmente a população negra, ainda estava vinculada à condição de escravidão e era, portanto, destituída das condições básicas que as definiam enquanto humanas. Dessa forma, tendo as mulheres atribuições ligadas à vida doméstica, era peculiar vinculá-las às ações diretas de embate, seja no âmbito das guerras, batalhas, estratégias e deliberações políticas. Ainda que, com o advento da república, as representações de figuras históricas tenham valorizado as vivências e atuações de Anita no contexto das guerras e lutas politicas, há certa resistência às transgressões dos papéis de gênero, fato que se reflete na imagem heróica de Anita. Observemos que, mesmo sendo tratada como mulher dotada de excepcionalidades, Anita Garibaldi geralmente está associada à figura de Giuseppe Garibaldi. Esta abordagem que compõe suas representações está presente em memórias e registros biográficos elaborados tanto no Brasil quanto na Itália. Em ambos os países, percebe-se Anita como alguém que, mesmo revolucionária, “não perdia sua natureza feminina”, ou seja, era uma combatente, mas era mãe e provedora do lar, que “cuidava” de Giuseppe tanto quanto de seus próprios filhos. São reflexos de um tempo em que os papéis de gênero eram demarcados e, por mais “modernos” que os conceitos republicanos se enquadrassem, ainda colocavam a mulher em um patamar social onde conservar a “feminilidade” ainda era (e ainda parece ser) mais importante do que as atitudes que a fizeram tornar-se heroína, alguém de extrema importância nos processos políticos e sociais que perfazem uma espécie de identidade histórica nacional. :: Clique aqui para ouvir o conteúdo do Painel 19 Referências: Helen Lemos. Anita Garibaldi: A construção de uma heroína em biografias populares (1849-1999). Dissertação de Mestrado. Faculdade Júlio de Mesquita Filho, 2018. Disponível em https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/183443/Bregantin_HL_me_fran.pdf?sequence=3&isAllowed=y ELÍBIO JÚNIOR: Uma heroína na história: representações sobre Anita Garibaldi. Dissertação de Mestrado em História. UFSC, 2000. PEDRO, Joana M. Mulheres do sul. In: DEL PRIORE, Mary (Org.) História das mulheres no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 278-321. Duzentos anos depois de seu nascimento, Anita Garibaldi está presente nas mais diversas formas no cotidiano dos brasileiros. Ela empresta seu nome a pontes, praças, ruas, avenidas, bairros, distritos, centros de saúde, museus e escolas por todo o país. Em Santa Catarina, existe o município de Anita Garibaldi (1961), na mesorregião serrana, recebeu esse nome em virtude de sua passagem pela região em 1840. A medalha Anita Garibaldi, criada em 1972, é uma honraria concedida anualmente pelo governo estadual às pessoas físicas ou jurídicas que contribuíram para o engrandecimento de Santa Catarina. Entidades associativas, de coletivos feministas a piquetes do movimento tradicionalista gaúcho, também se denominam com o nome de Anita Garibaldi como símbolo da busca pela emancipação e valorização feminina. O Governo do Estado, por meio do Decreto nº 1173/2021, instituiu 2021 como o Ano Comemorativo do Bicentenário de Nascimento de Anita Garibaldi Extras O Governo do Estado instituiu o Ano Comemorativo do Bicentenário de Nascimento de Anita Garibaldi por meio de decreto. Desde 2019, a Fundação Catarinense de Cultura (FCC) vem trabalhando na organização de atividades para 2021 junto à Comissão Estadual Comemorativa ao Bicentenário de Anita Garibaldi. Tal Comissão foi instituída por meio da Portaria FCC nº 39/2019, e tem o objetivo de promover e difundir a história da heroína catarinense. O grupo é composto por diversos órgãos públicos, como Secretarias de Estado e prefeituras, além de entidades públicas e privadas. O calendário internacional das comemorações, onde estão inseridas ações de todos os entes que compõem o grupo, vem sendo organizado pelo Instituto CulturAnita, de Laguna e, na Itália, pelos parceiros Museu e Biblioteca Renzi, Instituto Garibaldi Da Vinci e Associação Nacional dos Veteranos Garibaldinos. Durante as pesquisas para esta mostra, descobriu-se a divulgação de uma notícia falsa sobre Anita Garibaldi. Em 1840, em um relato redigido pelo General Francisco José de Sousa Soares de Andrea, o Barão de Caçapava, líder da reação do Império contra os Farrapos, foi noticiada a morte de Anita Garibaldi em um confronto na cidade de Curitibanos. O material foi publicado no Correio Official do Rio de Janeiro e replicado em outros periódicos da capital do Império. O relato trazia a informação de que uma mulher teria morrido na Batalha de Curitibanos - certamente Anita Garibaldi – que é referenciada como a “Amazona” que “entrava em fogo com os soldados”. Vale destacar que esta é, conhecidamente, a fonte histórica mais antiga a citar Anita Garibaldi. Painel 10: Os filhos de Anita e Giuseppe
Painel 11: A vida em Montevidéu
em São Luiz de Mostardas, no Rio Grande do Sul. Um fato sempre mencionado foi o de Anita fugir
“em pelo” a cavalo, com Menotti nos braços, dos soldados que disparavam fogo em sua direção.
“Rosita, morreu tragicamente. A criança e sua babá morreram queimadas na cama antes que o socorro chegasse e a porta trancada pudesse ser aberta. A morte dela perseguiu Garibaldi ao longo de sua vida” (DE POLNAY, p 41) [LIVRE TRADUÇÃO]
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/109188>.Painel 12: A chegada e o estabelecimento na Itália
BREGANTIN, Helen Lemos. Anita Garibaldi: a construção de uma heroína em biografias populares (1849-1999). 2018. 89 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca, 2018. Disponível emhttps://repositorio.unesp.br/handle/11449/183443Painel 13: As lutas pela unificação italiana
Roma, em 1º de julho de 1849Painel 14: O falecimento de Anita
Painel 15: Surge a Heroína de Dois Mundos
Painel 16: Reconhecimento de Anita
Disponível em https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/183443/Bregantin_HL_me_fran.pdf?sequence=3&isAllowed=yPainel 17: Anita para os italianos
Painel 18: A coleção Garibaldina
Painel 19: As mulheres na época de Anita
Painel 20: A presença de Anita Garibaldi
Ano de Anita
Descoberta de notícia falsa
Entretanto, o desfecho da Batalha de Curitibanos entrou para a história não com a morte de Anita, e sim, com sua fuga espetacular.
Clique nos links abaixo e faça o download de materiais educativos elaborados pelo NAE/MHSC:
:: Atividade sobre Rosa de Anita
:: Primeiro módulo educativo sobre Fritz Müller
:: Segundo módulo educativo sobre Fritz Müller
:: Proposta Rosa de Anita e poeta Cruz e Sousa
Quem visitar o Museu Histórico de Santa Catarina poderá fazer uma tour virtual com o auxílio de um audioguia. Com essa ferramenta, o público pode obter informações sobre as principais obras, em texto e áudio, e em cinco línguas: português, inglês, espanhol, francês e italiano.
Clique aqui para acessar o audioguia.
AGENDAMENTO DE VISITA MEDIADA
O agendamento de visitas mediadas ao Museu Histórico de Santa Catarina é realizado a partir das 13h, presencialmente ou pelo telefone (48) 3665-6363, nas seguintes datas:
- A partir do dia 02/01/2020 iniciam os agendamentos para visitas nos meses de fevereiro, março e abril;
- A partir do dia 16/03/2020 iniciam os agendamentos para visitas nos meses de maio, junho, julho e agosto;
- A partir do dia 13/07/2020 iniciam os agendamentos dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro.
Contato: [48] 3665-6363
E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
AGENDAMENTO DE VISITA MEDIADA
Basta comparecer diretamente na recepção do MHSC, verificar o próximo horário disponível e preencher um cadastro por meio de um Código QR. Não é necessário agendamento prévio, mas a visitação está sujeita à lotação do espaço.
ATENÇÃO: O piso superior do Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa está fechado para visitação, pois estamos passando por processo de restauro e inventário.
Visitação de terça a sexta-feira, das 10h às 17h30; sábado, das 10h às 13h30.
O MHSC não abre às segundas e aos domingos.
Entrada gratuita.
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Praça XV de Novembro, 227 - Centro, Florianópolis - SC, 88010-400
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