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No dia 10 de dezembro de 1998, Santa Catarina e o mundo deixaram de contar com a inquietação criativa e a combatividade em prol da arte do poeta Lindolf Bell. Nascido em Timbó no fim do período entreguerras, o poeta filho de lavradores liderou o movimento conhecido como Catequese Poética, que objetivava divulgar a poesia entre o grande público. Bell acabou falecendo após não resistir a uma cirurgia cardíaca em Blumenau.

Lindolf Bell nasceu em 2 de novembro de 1938, crescendo no mesmo local onde veio ao mundo. Mesmo desempenhando o ofício da agricultura, os pais de Bell legaram ao filho a sensibilidade para a poesia. Aos 20 anos foi servir na Polícia do Exército no Rio. Ali, sua habilidade como poeta começou a florescer para o mundo, quando declamou versos no Juramento à Bandeira, surpreendendo os colegas. Em 1962, foi apresentado, em São Paulo, a Lygia Fagundes Telles, Cecília Meireles e ao seu primeiro editor, responsável pelas duas primeiras obras: Os Póstumos e As Profecias e Os Ciclos.

Em 1964 surgiu a Catequese Poética, movimento cuja repercussão alastrou-se no país e no exterior. Por conta de um cativante dom para a declamação, o poeta de Timbó tornou-se o grande expoente da Catequese, recitando poemas para as massas em praças e até num estádio. Sua fama espalhou-se entre o grande público graças ao movimento, que transformou qualquer lugar de grande circulação em palco para a poesia. Além de declamar, ele conversava com as pessoas sobre os poemas. Infelizmente, com o aumento da repressão do regime militar, ele foi obrigado a suspender sua atuação junto ao povo. O governo da época não gostava de aglomerações populares como as que ele provocava, que poderiam se tornar um foco de subversão.

- Bell sempre foi uma pessoa muito preocupada com a divulgação da literatura - lembra Lauro Junkes, presidente da Academia Catarinense de Letras, lembrando a Catequese Poética.

Depois do período vivido na capital paulista e um tempo nos EUA, casado com a escultora Elke Hering, retornou a SC, passando a divulgar também as artes plásticas. Ajudou a fundar, em Blumenau, a galeria de arte Açu-Açu, a primeira do Estado. Por volta de 1970, sua atuação sofre um inflexão, e sua poesia, antes mais social e urbana, passa a ser introspectiva e bucólica. O marco de passagem talvez seja a obra As Annamárias, publicada em 1971, porém escrita três anos antes, depois do rompimento com a cantora lírica Anna Maria Kieffer. O trabalho recebeu elogios de Carlos Drummond de Andrade, que, na época, o qualificou como a mais importante obra lírico-amorosa de língua portuguesa em 15 anos.

Lembrando o aniversário de falecimento de Lindolf Bell, a Casa do Poeta programou para hoje o 10 Versus 70. O nome vem da constatação de que Bell estaria com 70 anos aos 10 de sua ida. A Casa do Poeta, em Timbó, abrigará diversas atividades culturais, entre elas a reedição da Exposição Comemorativa dos 30 Anos da Catequese Poética,que ficará montada até o dia 30.

Arthur Puls | Timbó

Serviço

Quando: hoje

Horário: 20h

Onde: Casa do Poeta, Rua Quintino Bocaiúva, 902, Bairro Quintino, Timbó

Ingressos: entrada franca

Informações: (47) 3399-2074

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Lindolf Bell: vida e obra

Nos 10 anos da morte do poeta catarinense, um amigo e conterrâneo lembra de seus gestos e de suas palavras

Por Péricles Prade * | Especial DC

A vida - Conheci o poeta Lindolf Bell, filho de pai de origem alemã e mãe de linhagem russa, em Timbó, Santa Catarina, durante nossa infância/juventude passageira, quando, a exemplo de outras crianças, furtávamos melancias e jabuticabas nos pomares da vizinhança com a paternal tolerância dos proprietários.

Na adolescência estreitamos os laços afetuosos e intelectuais. O primeiro contato real de amizade ocorreu no Ginásio Rui Barbosa, época em que, fraternalmente, nos ligamos ao universo da poesia. Era por volta de 1955. A vocação literária, no Colégio, foi estimulada pelo falecido professor Gelindo Sebastião Buzzi, diretor do estabelecimento, que lecionava português e literatura brasileira, cuja paixão literária era imantada pelo romantismo de cunho social, à maneira de Victor Hugo, sendo Castro Alves o predileto entre os brasileiros.Tanto Bell quanto eu sofremos a generosa "imposição" poética desse mestre, mas, na verdade, outros foram, depois, os rumos de nossa estética.

Lembro-me que, em geral nos finais de semana, líamos, comovidos, nossos poemas ainda na fase embrionária. Os dele impregnados de lirismo telúrico-amoroso (alguns de cunho mais social, revelando inclinação futura numa determinada fase) e os meus de expressão simbólica e imagética. Nenhum daqueles poemas integraram nossos livros de estréia, conquanto tenham sido fundamentais para o crescimento literário e espiritual.

O relacionamento afetivo e intelectual continuou no curso do tempo, até a morte prematura, lamentada por todos que privaram de sua luminosa vida. Posso assegurar, sem falsa modéstia, que ninguém o conheceu na intimidade pessoal e familiar tanto quanto eu. é que, na maturidade, tornei-me o mais assíduo confidente, se não o único, sem quaisquer reservas mentais. Sei dos amores e dos desamores, glórias, frustrações, disponibilidade cultural em relação às novas gerações, encantos e desencantos, infinito desejo de viver e consciência da genialidade.

Talvez por isso mesmo fui o amigo que por último com ele falou, já colocado na maca, através do celular repassado pelo filho Pedro, antes de adentrar a sala de cirurgia para nunca mais voltar e onde passou horas e horas com o peito aberto até o vulnerado coração parar de bater.

Tinha um hábito. Gostava, com freqüência exemplar, de escrever cartas aos amigos, escritores, artistas plásticos e outras pessoas de sua relação. A correspondência era prolífica. Convém que este rico material seja organizado, visando à publicação, inclusive de certos bilhetes reveladores de sua conflituosa existência.

Envolveu-se com as artes plásticas, tendo ingressado nas Associações Brasileira e Internacional de Críticos de Arte. São centenas as suas apresentações de artistas em catálogos, ressaltando-se as escritas após ter fundado a Galeria Açu-Açu em Blumenau.

Competente marchand atípico (a vantagem pecuniária não era o escopo primordial), foi como lavrador, no entanto, que ele na adolescência trabalhou, tendo, mais tarde, exercido as funções de contador, escriturário e outras, após uma temporada no Exército, no Rio de Janeiro.

Sua verdadeira "profissão", entretanto, sempre foi a do poeta em tempo integral, apesar de ter podido, contemporaneamente, atuar como ator. Diplomou-se pela Escola de Arte Dramática de São Paulo, período em que escreveu algumas peças teatrais (nenhuma delas publicada e nem sei onde se encontram). Recordo-me de uma, intitulada As Irmãs, lida num domingo em sua casa.

Sobre a personalidade do poeta, não me furto de aflorar aspectos que considero pertinentes. Antes de tudo, enfatizo a sua generosidade. Estava sempre disposto a ajudar os outros, mormente os jovens que trabalhavam nos campos da literatura, das artes plásticas e do cinema. Não escolhia o momento para auxiliar quem o procurasse.

Daí a emergência de outro traço virtuoso: a solidariedade que tem origem na bondade. Era capaz de tirar a roupa do corpo para cobrir o do próximo. Assisti a inúmeras atitudes dessa natureza. Com os amigos, então, chegava ao paroxismo. Chamava-os de irmãos, inquirindo: "Pode existir maior beleza além do exercício do amor da amizade?" E concluía: "Estar com amigos é impedir que ervas daninhas cresçam entre nós e dentro de nós". Uma de suas cartas assim o revela.

Quando algum raro estremecimento ocorria, dificultando o relacionamento, ficava melancólico, reflexo de sua sensibilidade à flor da pele. Nem por isso era uma criatura frágil. Pelo contrário: emoldurava-lhe forte postura diante da vida.

Outro aspecto relevante que não se pode deixar à margem é o referente à liderança do movimento poético por ele criado em São Paulo, no ano de 1964, terminado no final de 1968, mas de repercussão ainda duradoura. Trata-se do afortunado I, que, da capital paulista, onde surgiu, se espraiou a vários estados. Foram seus integrantes, entre outros, Rubens Jardim, Luis Carlos Mattos, Iracy Gentille, Jaa Torrano, Carlos Voight, Ana Cristina de Mattos, Iosito Aguiar, Germinal de Amor e Edson Santana, bem como os catarinenses Erico Max Müller e Eulália Maria Radtke.

A finalidade do movimento era catequizar, como sugeria o seu batismo, levar a poesia ao conhecimento do grande público através de leituras de poemas em lugares previsíveis e imprevisíveis, como o Viaduto do Chá (SP), estádios de futebol, teatros, boates, feiras, clubes, escolas e eventos de toda natureza. Como em nosso país as pessoas pouco lêem, foi a melhor forma encontrada de conduzir a poe-sia diretamente ao povo, democratizando-a. Bell, portanto, não foi só um poeta de excelência.

Era líder compulsivo, sendo, entre os componentes do Catequese Poética, o melhor dos declamadores, encantando todas as platéias. Por esta razão, Paulo Leminiski acentuou que "nunca tinha visto ninguém dizer poemas tão bem, com tanta intensidade, tanta garra, tanto domínio da voz, do gesto e do sentido". Todos endossam esta verdadeira afirmação.

Com o retorno a Santa Catarina, enfurnando-se na residência dos pais, onde hoje está instalada a Casa do Poeta, o Catequese, antes movimento ativo e depois semi-ativo, esmaeceu por completo, até porque "o poema é o delírio organizado precariamente" e "o seu lugar é onde possa desorganizar", conforme ele dizia.

Como o poeta catarinense o encarnava, seu deslocamento de São Paulo implicou nova liturgia poética, agora de lastro mais pessoal. Em vez de serem utilizados os mesmos recursos da década de 1960, o lugar dos poemas passou a ser outro: as praças públicas usadas de forma distinta, com inscrições nos monumentos; as camisas e camisetas (impressões conhecidas como "corpoemas"); varais (dependuradas neles as poesias de tempos variados), cartões-postais e fotografias, como as de Lair Bernardoni e Priscila Prade (imagens com versos nelas apostos, imbricando as respectivas linguagens), etc, etc.

Assim, aquele movimento-reitor, então de caráter coletivo, veio a ser, interna e/ou externamente, o do poeta em trânsito. Agora um movimento subjetivo, singularíssimo, amoroso, afastado das multidões encantadas de outrora.

Preferiu o retorno às raízes, onde inquieto permaneceu, até falecer, devido à grave enfermidade que a todos escondia. Nasceu em Timbó, no dia 2 de novembro de 1938, falecendo a 10 de dezembro de 1998, em Blumenau. Enterrado na terra natal, continua lá, a tudo observando sob a lápide e os girassóis que tanto amava, garimpando outras palavras transportadas pelo vento cativo das estações do Vale do Itajaí.

A obra - Lindolf Bell publicou Os Póstumos e as Profecias (1962), Os Ciclos (1964), Convocação (1965), A Tarefa (1966), As Annamárias (1971), Incorporação (1974), Vivências Elementares (1980), O Código das águas (1984), Setenário (1985), Iconographia (1993), Pré-textos para um Fio de Esperança (1994) e Réquiem (1994), todos de poesia, além de Curta Primavera, narrativa lírica (1966).

Deixou, inédito, certamente o seu livro mais importante, intitulado Anima Mundi, concluído no ano de 1997, cujos poemas ouvi quando ele os leu, na cidade de Florianópolis, em minha biblioteca. Esse livro, para espanto geral e por mágico encanto, desapareceu! Ninguém sabe onde se encontram os originais. Mistério total. Todos lamentam o estranho fato, ainda mais porque é necessária sua leitura crítica para o melhor aprofundamento da análise da obra completa.

Ressalto que Iconographia repete os poemas A Tarefa (1966), Iconografia de um quadro (1985) e Nona tarde longínqua (1978), sendo Incorporação (1974) uma coletânea organizada por ele mesmo e com a inclusão de poucas poesias novas.

Atendendo a um critério diferente, faço alguns apontamentos, obedecendo, com rigor, à ordem cronológica dos livros, por entender que, dessa forma, é mais fácil compreender a evolução de sua trajetória, remetendo-me, contemporaneamente, à síntese de sua fortuna crítica.

Quanto ao livro Os Póstumos e as Profecias, Carlos Felipe Moisés pôs realce maior nos núcleos emotivos, apontando que Bell se volta a si próprio, ao tempo perdido da infância e à natureza, considerando-o afeiçoado ao universo do lirismo.

Também Os Ciclos atraiu aplauso crítico. Dora Ferreira da Silva retomou o olhar sobre as origens, referindo-se ao rio heraclitiano, às águas do tempo, ao vocabulário agrário, à embira atávica, vendo, nele, um poeta preservando a memória, lírico transeunte selado pelo destino de filho pródigo da terra que tem, no amor fraterno, o seu lugar metafísico ladrilhado a partir da solidão obsessiva.

Já Convocação foi apresentado por Nogueira Moutinho, invocando o conceito de poesia de Pasternak como "tensão tradutora", ao acentuar a intuição do escritor russo para justificar o ideal do então jovem poeta à aptidão ao cântico, à intenção libertadora da música e à comunicação com o outro ao tematizar os problemas existenciais pela linguagem.

Em seguida manifestou-se Cassiano Ricardo, posfaciando A Tarefa. Salientou tratar-se de caso literário singular, réplica romântica aos experimentos de vanguarda, sem o caráter anterior dos livros repletos de "poesia de rua", ao mesmo tempo em que, ao admitir a relevância da oralidade (pós-vista por C.Ronald, à maneira de Maiakoswki), elogiou o aprendizado de sentido formal, a disposição gráfico-semântica das palavras, o despojamento das palavras-coisas, a imagem como veículo clarificador do conceito e a economia da linguagem, fruto de maior concisão.

E eis que surge As Annamárias. Lendo-o, imediatamente após a publicação, Carlos Drummond de Andrade assinalou que o livro é um dos mais importantes da poesia lírico-amorosa dos últimos 15 anos em língua portuguesa (a referência é de 1971). Antonio Carlos Vilaça, por sua vez, justificou a sensualidade desprovida de sabor nitidamente erótico. Além deles, Nereu Corrêa assegurou a perfeita coexistência da tensão lírica e da tessitura verbal, Maria Carneiro da Cunha registrou a presença da recriação lingüística em função do uso da riqueza dos anagramas, das homofonias, das aliterações e do ritmo, propiciatórios de experiência lúcida, e Marita Sasse remarcou a busca do instante metafísico bachelardiano, para, ao inaugurá-lo, ser congelado o próprio tempo.

Após essa criação poética (constituindo As Annamárias, sem dúvida, o ponto mais alto de seu virtuosismo), é publicado Vivências Elementares, constatando Reynaldo Bairão autêntica renovação semântica, perfeita adequação entre forma e conteúdo, revalorização metafórica, a par de equilibrada unidade, merecendo destaque álvaro Cardoso Gomes ao considerar a terra e o rio como os dois eixos do livro, o primeiro o elemento sólido e o segundo a imagem da coisa-em-seu-fluir, mediante a instauração de uma anarquia de sentimentos, sobrelevando-se a realidade pelo canto por ter recriado o tempo sob a forma da memória.

Sucede-lhe O Código das águas, apontado por Cláudio Willer como marco de mudança, ponto de inflexão, documento poético de transição se cotejado com os livros que o antecederam, não obstante o poeta os consolide quando, em vez de reescrevê-los, se refaz na celebração da efemeridade, pondo agora, em suspenso, a denúncia de perfil humanístico (a perda da fraternidade entre os homens). Nessa obra o crítico não reconheceu com igual grau a tendência à interiorização (a remissão à memória subterrânea, como ocorria no Vivências Elementares) e ao predomínio da metáfora (em alguns textos precedentes), mas percebeu, com agudeza, a incidência da mesma dicção (ritmo e sentido, inclusive) no tocante ao peso maior dado à palavra como entidade constitutiva do poema. E tudo por que interiorizar-se também significa voltar-se à palavra, resultando na poetização da própria poesia (metalinguagem). Apontou, ainda, a existência de aparente descontinuidade, marcada pela brevidade/concisão, em contraponto às estruturas fechadas de As Annamárias e Vivências Elementares, configuradoras de um longo poema. E observando que, apesar da unidade conservada, oferece-se aberto, inacabado, em processo de transformação. Enfim, poesia de ultrapassagem e movimento, reveladora de outra espécie de rio, buscando a escrita primordial por intermédio da construção e reconstrução dos signos, despojando-se na linguagem despojada, revelando-se no caminho das perdas constantes.

Os livros posteriores, no fundo, retomam poemas publicados ou encartam poucos novos (Pré-textos para um fio de Esperança e Réquiem, este um opúsculo) e que bem poderiam re-imantar os louvores de Donaldo Schüller ("os verbos soam como chamamento para o fundamental"), Cremilda Medina ("a opção ascética corresponde, ao nível da linguagem poética, a uma gradativa limpeza de estilo, a palavra agarrada ao que de mais essencial verticaliza"), Rinaldo Gama ("a convivência de metalinguagem com o protesto panfletário") ou de Lauro Junkes ("cosmovisão poética, abrangendo desde a ancestralidade das vivências elementares, passando pela despersonalização da grande cidade, até concentrar-se na temporalidade telúrica do Vale do Itajaí").

Feitas as referências aos comentários, pergunto: é fundamental algum acréscimo? Não, reconhecendo que a síntese realizada, cujo alvo precípuo é o de retratar a importância da fortuna crítica, mostra-se suficiente.

Permito-me, apenas, glosar que, em nenhuma passagem, os analistas se referiram às influências. Como todo escritor, o poeta foi afetado pelas leituras no transcurso de sua evolução. Harold Bloom que o diga.

A influência mais relevante de sua criação poética, pelo menos nas obras iniciais, é encontrável nos poetas bíblicos. Lembro-me de nossas antigas conversas. Sei que perpassou os poetas alemães Rilke, Hölderlin, Novalis e Goethe, bem como os portugueses Camões (o lírico) e Fernando Pessoa (ele mesmo e os heterônimos). Quantos aos brasileiros, asseguro, leu muito Manuel Bandeira, Drummond, João Cabral de Mello Neto e Jorge de Lima, este sempre o mais invocado por ele, apaixonado que era pela Invenção de Orfeu.

Parece, contudo, que, muito embora ele jamais tenha dito algo a respeito, foi influenciado por Walt Withman, no início e no período intermediário de sua produção. Tanto em relação à vida (o fascínio pela oratória: o efeito dramático da voz; o orgulho do físico; um certo culto de si mesmo, etc), quanto à obra (experiência rítmica; força verbal; desprezo pela linguagem hierática; passagens rapsódicas; musicalidade sensorial; ousadia verbal; versos aquisitivos; egotismo; vínculo com a infância; imagens especulares), avultando a merge, assim denominada pelo poeta norte-americano, isto é, "a fusão e a identificação do eu com o outro, da alma com a natureza", como explica Rodrigo Garcia Lopes.

Anoto que, voltado mais para o microcosmo na fase da madureza (na definitiva conjugação dos arquétipos terra e água, com ênfase neste, revelador psiquismo hidrante de Bachelard), do que para o macrocosmo (de ressonâncias sociais, urbanas, no estágio inicial), é dotado de transparente originalidade, malgrado a compreensível influência. E não se esqueça: utilizando, mormente nos últimos livros, com regularidade (na proustiana busca do tempo perdido e na dureé bergsoniana religada à memória-recordação), a técnica dos fragmentos compostos na direção da unidade estilística (à maneira de Eliot em determinados poemas), revelou-se Lindolf Bell obcecado pela carpintaria da linguagem caleidoscópica de sintaxe lúdica, esvurmando a palavra pertinente, criada ou recriada, para retirar-lhe o sumo criador, cuja notável dicção possessiva, fruto de epifânica intuição, transformou-lhe numa das antenas da raça de que falava Pound, por ter, exemplarmente, cumprido sua missão de poeta.

* Poeta, contista, crítico literário e de artes plásticas