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(Folha de S. Paulo, 7 de setembro de 2008)

Em visita a 14 teatros de SP, Folha encontra problemas de segurança em 4: CCSP, Oficina, Ruth Escobar e Satyros; e é impedida de entrar em 2: Imprensa e Renaissance

EDUARDO SIMõES
LUCAS NEVES
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Folha selecionou 14 teatros da cidade de São Paulo para verificar suas condições de segurança e tentar responder à pergunta: pode se repetir a tragédia que aconteceu no teatro Cultura Artística, no mês passado, quando um incêndio destruiu sua sala principal?
Foram escolhidos espaços que recebem diferentes tipos de público. Entre os comerciais, Alfa, Frei Caneca, Folha, Renaissance; entre os tradicionais, Ruth Escobar, Sérgio Cardoso, Centro Cultural São Paulo, Municipal, Imprensa e Tuca; e, entre os alternativos, Oficina e Satyros, além de duas salas da rede Sesc.
A reportagem procurou conferir os principais requisitos que garantem a segurança de um espaço em caso de incêndio: a manutenção das instalações elétricas, os dispositivos de combate ao fogo, as saídas de emergência, entre outros.
A maior parte das visitas, feitas ao longo das três últimas semanas, teve a presença da fotógrafa e iluminadora Lenise Pinheiro, que há mais de 20 anos transita pelos teatros paulistanos, onde também trabalha.
No levantamento, quatro deles apresentaram condições precárias e oito se mostraram relativamente bem. Renaissance e Imprensa não quiseram receber a reportagem.

Situação crítica
Entre os primeiros, o Ruth Escobar foi um dos que apresentou problemas graves: fiação correndo sobre carpete, quase todos os refletores sem os cabos de aço -que são a segunda garantia de que eles não se soltem-, tomadas sem espelho de proteção. Nas coxias, havia muitas lâmpadas sem cúpula, a poucos centímetros de pedaços de cenários -o que facilitaria a propagação do fogo.
Havia ainda gambiarras -instalações elétricas improvisadas- com fita isolante em uma das três cabines técnicas. Não havia extintores ou hidrantes dentro da sala menor (Miriam Muniz) e, na maior (Dina Sfat), uma porta de emergência estava quebrada, sem a barra antipânico esquerda.
Ali, a reportagem também viu cadeiras cujos encostos, tortos, atrapalhavam a circulação pela fileira de trás -o que poderia causar quedas se preciso deixar o local com rapidez.
"O pior problema dos teatros de São Paulo é o extremo desleixo e a irresponsabilidade com instalações elétricas. Não há razão para fios ficarem expostos: têm de estar em calhas ou condutores protegidos", diz o arquiteto Cesar Bergstrom, diretor de urbanismo do Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva).
Na cabine de som e luz da sala Jardel Filho, no Centro Cultural São Paulo, a instalação elétrica estava em contato com o carpete, que tinha rasgões. Na sala Paulo Emílio Salles Gomes, as tomadas dos refletores estavam precárias, assim como nos camarins. E também foram encontradas gambiarras. Tampouco havia sprinklers (sistema que solta água assim que sinais de fogo são detectados).
No teatro Oficina, os principais problemas observados foram, além das gambiarras, refletores sem cabo de aço, a falta de equipe fixa de manutenção e ausência de saídas de emergência. A porta de entrada do espaço, que tem formato de uma grande passarela, é a única rota de fuga em caso de acidente.
"Não é possível considerar seguro um lugar que só tem uma saída, mesmo que ela seja ampla. A primeira coisa que uma pessoa pensa quando vê fogo é em fugir, e não em pegar um extintor. Por isso, a partir do projeto inicial, os teatros têm de ser pensados com alternativas de saída bem claras e sinalizadas", diz Bergstrom.
Nos dois espaços dos Satyros, esse problema se repete. A sala 1 tem uma saída que dá para dentro do prédio da praça Roosevelt no qual está localizado, e a sala 2 não possui nenhuma.
Apesar de não poderem ser classificados formalmente como "teatros" por terem capacidade inferior a cem pessoas (são definidos por lei como "salas de reunião"), ainda assim os espaços dos Satyros não adotam procedimentos de segurança importantes.
As cortinas não recebem tratamento antichamas, não há sprinklers e os refletores de luz não têm cabo de segurança.
De forma geral, os administradores dessas quatro salas dizem que estão trabalhando para resolver os problemas.

Melhores condições
Nos outros teatros, a reportagem encontrou condições melhores. A maior parte deles tem dispositivos de combate a incêndio, como cortinas, carpete, revestimento das cadeiras com tratamento antichamas, estruturas de concreto e não de madeira como base da platéia e regras para o palco, como proibição de fumar nas cenas.
Apesar de considerar essas medidas importantes, Bergstrom relativiza a eficiência da aplicação de produtos antiinflamáveis. Para ele, tratam-se de lenitivos, pois funcionam por tempo curto. "Um produto antichamas impede algo de queimar por um período curto de tempo. O essencial é haver espaço entre fileiras e corredores para escape imediato."

Estamos resolvendo os problemas, dizem salas

Oficina chama técnicos quando há novas peças; Satyros toma "série de medidas´

DA REPORTAGEM LOCAL

A reportagem procurou os administradores dos teatros avaliados como precários para pedir explicações sobre os problemas observados nas visitas.
No Oficina, onde não há equipe de manutenção fixa, o ator e diretor Marcelo Drummond disse que a presença permanente de técnicos depende de verba. "Quando vamos montar um espetáculo novo, chamamos os técnicos. Mas não podemos manter uma equipe todo o tempo", diz.
Drummond criticou as leis de incentivo à cultura por não aceitarem que a manutenção dos teatros seja incluída nos pedidos. "Quando fazemos um projeto para pedir verba, se colocarmos [no cálculo dos gastos] verba para a segurança do teatro, esse item não é aceito."
A sede do grupo de José Celso Martinez Corrêa também tem fiação exposta e "gambiarras" (ligações elétricas improvisadas, com fitas isolantes e benjamins), além de sofrer ataque de roedores que vêm do mercado em frente ao teatro. "Fazemos desratização com freqüência e procuramos checar a situação dos fios toda vez que trocamos de peça."
Drummond afirma que o modo "possível" de o Oficina funcionar é este. E se defende dizendo que até hoje não houve problemas graves.
O diretor do Espaço dos Satyros, Rodolfo García Vázquez, afirma que "uma série de medidas" está em curso, "dentro dos limites" do teatro. "Refizemos a iluminação de emergência, encalhamos a fiação, mudamos as caixas expostas de lugar, fizemos treinamento de incêndio e trocamos a sinalização", diz.
Durante a visita da reportagem, um funcionário instalava sinalização de emergência. E o camarim do Satyros 1, sempre cheio de figurinos e elementos do cenário, havia sido limpo antes da chegada da Folha.
O administrador do teatro Ruth Escobar, Ascânio Furtado, argumenta que os problemas detectados estão sendo resolvidos. Segundo ele, a barra antipânico quebrada foi arrumada; parte das tomadas sem espelho, consertada; e as lâmpadas sem cúpula, cobertas.
Sobre a fiação exposta, ele minimiza o problema, afirmando que os cabos estão encapados com isolamento antiincêndio. "Toda a parte elétrica do teatro está sempre em manutenção. Estávamos colocando novos cabos de aço [nos refletores] quando a Folha veio."
Já o Centro Cultural São Paulo respondeu por e-mail às observações feitas sobre a precariedade de sua fiação.
Na mensagem, a arquiteta Ana Pimenta diz que as instalações elétricas do teatro serão trocadas ainda neste ano.
Para 2009, segundo Pimenta, está programada uma reforma geral das salas de espetáculos, durante a qual todo o urdimento de madeira deverá ser substituído.

(EDUARDO SIMõES, LUCAS NEVES e SYLVIA COLOMBO)

Laudo da perícia do Cultura deve sair nesta semana

DA REPORTAGEM LOCAL

O Instituto de Criminalística (IC) da Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo promete para o início desta semana a divulgação do laudo da perícia técnica do incêndio que atingiu o Teatro Cultura Artística na madrugada do dia 17 de agosto. Segundo Henrique Honda, diretor do núcleo de engenharia do IC, duas pessoas fizeram o trabalho de campo, iniciado já no dia 17/8. Ele não soube precisar quantas pessoas estão encarregadas do relatório, que ainda está sendo elaborado.
No dia 18/8, a Polícia Civil e a Polícia Técnico-Científica informaram à Folha que não havia indícios de que o incêndio tivesse sido causado intencionalmente. Também foi descartada a hipótese de que a queda de um balão sobre o telhado tivesse provocado o desastre. Os dois órgãos informaram que o fogo começou dentro da sala principal (Esther Mesquita, com 1.156 lugares) e que o telhado caiu depois. Ainda resta a hipótese de curto-circuito. Honda diz que nem ele nem os relatores podem adiantar conclusões sobre o incêndio.

Seguro
O seguro do Cultura Artística não cobre os custos de reconstrução do prédio. Estimada em cerca de R$ 5 milhões, a apólice do prédio havia sido reavaliada no ano passado.
Gérald Perret, superintendente da Sociedade Cultura Artística, mantenedora do teatro, não sabe avaliar quanto custará a reconstrução.
O Cultura Artística foi inaugurado em 1950, com Camargo Guarnieri (1907-1993) e Heitor Villa-Lobos (1887-1959) regendo suas composições. Seu palco recebeu outros grandes nomes nacionais, como o ator Paulo Autran, cuja última peça, "O Avarento", foi montada ali. Estrelas internacionais, como a cantora Josephine Baker e o mímico Marcel Marceau, também estiveram lá.

Realizadores criticam acúmulo de peças em salas

Mudança constante nos equipamentos compromete a segurança, dizem produtores e diretores ouvidos pela Folha

Teatros com administração pública são os mais temidos pelo produtor Eduardo Barata; Gabriel Vilella ressalta "zelo" da rede Sesc


DA REPORTAGEM LOCAL

Diretores e produtores ouvidos pela reportagem da Folha apontam não só os problemas mas também os pontos positivos dos teatros de São Paulo. Os que têm administração pública são os mais temidos pelo produtor carioca Eduardo Barata, que diz ter receio de levar uma peça para o Centro Cultural São Paulo, por exemplo.
"Tanto no Rio quanto em São Paulo, a política de preservação dos teatros públicos é capenga, não sinto segurança. Há exceções, como o Sérgio Cardoso, em que existe uma preocupação individual dos funcionários, com pouquíssimos recursos. Como um Exército de Brancaleone, vão driblando os problemas com amor pelo espaço", argumenta.
Barata diz que, de modo geral, sente-se mais seguro em teatros particulares, como o próprio Cultura Artística, onde estrearia no dia 3/10 o espetáculo "Brincando em Cima Daquilo". Para o produtor, o incêndio no Cultura Artística não parece ter sido questão de abandono, mas de acidente.
Já o diretor Gabriel Vilella diz que não vê muita diferença entre os públicos e os privados. Para ele, da década de 90 para cá, os teatros paulistas, de modo geral, passaram a obedecer com mais rigor aos critérios de segurança. Vilella diz ainda que os particulares e os da rede Sesc têm "zelo de Primeiro Mundo" e o Municipal tem "cuidado extraordinário".
O diretor Felipe Hirsch é outro a elogiar as salas da rede Sesc -além de ser entusiasta do teatro popular do Sesi. "Têm padrão internacional."
Uma das primeiras coisas que produtores como Eduardo Barata procuram saber num teatro é se há muitos espetáculos acontecendo ao mesmo tempo, por conta da necessidade de mexer na luz, montar e desmontar cenários etc.
Para a produtora Fernanda Signorini, que está com a peça "O Eclipse" em cartaz em São Paulo, o amontoamento de espetáculos num só espaço é grave, mas é algo que vem mudando. "Para sobreviver, as salas acumulam várias peças. Mas deve haver bom senso por parte de teatros e produtores."

Técnico "gambiarra"
O diretor Eduardo Tolentino, do Grupo Tapa, também vê problemas quando um mesmo espaço abriga vários espetáculos simultaneamente.
"Uma coisa é ter uma peça [em cartaz] de terça a domingo. Nesse caso, você vai ter profissionais mais adequados, como camareira, operador de luz. Quando você entra no terreno do improviso, com uma peça a cada dia, o técnico em si já vira uma "gambiarra". Em dez minutos, tem de quebrar um galho. Você resolve um problema imediato e não pensa a longo prazo", diz Tolentino, para quem técnicos do teatro brasileiro pioraram muito.
"é muito mais difícil hoje achar mão-de-obra especializada. O cara que leva a escada, de repente, vira operador de luz."

Frase

"Quando se entra no terreno do improviso, com uma peça a cada dia, o técnico em si já vira uma "gambiarra" [...] Você resolve um problema imediato e não pensa a longo prazo [...] é difícil achar mão-de-obra especializada. O cara que leva a escada, de repente, vira operador de luz"
EDUARDO TOLENTINO
diretor de teatro

DEPOIMENTO
O que tenho visto no Brasil é de dar medo

GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando eu perambulava pelo La MaMa, nos anos 80, dando workshops sobre o teatro da hesitação e sobre um novo fluxo de pensamento, me deparei com várias intervenções do NYFD (New York Fire Department). Estávamos no prédio de ensaios, um quarteirão atrás do teatro, no East Village. Na frente desse edifício, há uma estação de bombeiros. Tudo que eles tinham que fazer era entrar, tirar o cigarro de nossas bocas e dizer: "Aqui não se pode fumar!". Anos depois, nos palcos europeus, a multa falou mais alto. A cada cigarro aceso, marcos alemães ou schillings austríacos ou libras inglesas eram descontadas do meu salário, mas eu só ficava sabendo ao receber o cheque na véspera da estréia. Fora um incidente com Fernanda Montenegro (aliás, dois), no complexo Kampnagel Fabrik em Hamburgo, em 1992, não lembro de ter sentido medo ou vergonha de encenar um espetáculo. Com a minha ex-sogra foi o seguinte: "Flash and Crash Days" estava em cartaz em uma das várias salas da ex-fábrica. Não havia banheiro perto. Disse ao diretor artístico: "Essa é a maior atriz de todos os tempos e não abro a cortina se não houver uma forma de banheiro portátil". Depois de muito escândalo, provindenciou-se algo com um balde. A própria Fernandona insistiu e abrimos o pano. Palco do lado. No mesmo complexo, Sir Fernandona foi assistir ao ensaio da minha desastrosa "Saints and Clowns". O banco em que se sentou "colapsou" com ela. Só notamos depois do ensaio. E a levamos ao hospital. Não são exatamente eventos que colocam em risco de vida um teatro. São problemas sanitários ou de gerência. O que tenho visto e vivido no Brasil nos últimos 25 anos é de dar medo ou querer fugir: desde o meu ex-assistente de iluminação quase morrer por bater com a cabeça num pedaço de ferro não-sinalizado no urdimento, até ratos enormes que corroem os multicabos de luz ou de som. Não há aterramento devido entre ambos. Os teatros do Rio (João Caetano e Villa Lobos, por exemplo) são os piores do mundo. Nós brincamos, irresponsavelmente, dizendo que eles fazem "plantação" de brie e camembert nas poltronas, de tanto mofo. O que tenho visto de rack de luz esquentando, de excesso de refletor por canal, de falta de grade na frente da lente, varas grudadas rentes demais, contra-pesadas com cordas quase no ponto de arrebentarem! Os bêbados de costume que nos dizem adeus e fecham o teatro... Não sei se por milagre ou desgraça o Cultura Artística e outros teatros não foram pra fogueira das meias verdades antes. Mas se querem uma resposta, perguntem pro Paulão, chefe de palco do Sesc Paulo Autran. é a ele que eu me rendo. Ele sabe que nenhuma medida é pouca quando se trata de uma mega-estrutura que pode desaparecer num abrir e fechar de olhos -ou num subir e descer de pano.

GERALD THOMAS é autor e diretor

FOCO
Na prática, Sidão aprendeu como encarar emergências

DA REPORTAGEM LOCAL

"Chame o Sidão!" é assim que Marcelo Drummond reage quando detecta problemas elétricos no Oficina.
E ele não é o único. Sidnei Sergio Rosa, 50 anos de idade e 32 de teatro, é um personagem conhecido no circuito de teatros do centro e do bairro do Bexiga.
Sem formação específica, Sidão conta que aprendeu a instalar fiações, preparar palcos para diferentes tipos de montagem e a reparar encrencas na prática.
"Tem muita gente que estuda, que se diz técnico, mas que depois não sabe como agir diante de um problema sério", diz esse homem pequeno, magro e falante, sempre de lanterninha em punho. "Todos os teatros de São Paulo têm problemas. E isso só se resolverá quando houver fiscalização e formação de profissionais." (SC)