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Em 2013, a escritora e dramaturga Edla van Steen, concedeu uma entrevista especial ao jornalista, crítico literário, escritor e poeta Cláudio Portella, e que foi publicada no Suplemento Cultural de Santa Catarina [ô Catarina!], editado pela Fundação Catarinense de Cultura. Edla, que havia sido condecorada com a Medalha Cruz e Sousa, discorre sobre a sua relevante trajetória e, no alto da sua lucidez e perspicaz, analisa à época os desafios impostos à literatura e dramartugia pelas novas tecnologias.

Uma entrevista saborosa que traz à luz a sabedoria desta florianopolitana que levou Santa Catarina às mais notávais instâncias da cultura nacional. Ao homenagear essa ilustre artista e filha desta terra, falecida no dia 6 de abril, o portal Cultura.SC republica a entrevista e presta a sua reverência à memória e ao legado da notável Edla.

Acesse a íntegra do Suplemento aqui


Por Cláudio Portella

Edla van Steen, escritora catarinense, que lançou recentemente o livro "Instantâneos", de contos curtos, nos fala praticamente de tudo em entrevista exclusiva para o Suplemento Cultural de Santa Catarina [ô catarina]. Do começo da carreira, quando queria ser cantora lírica e escrevia a lápis os livros publicados nos EUA; do primeiro emprego em radiofonização de cartas em Curitiba à sua participação no filme Na Gar- ganta do Diabo; de teatro, das peças que escreveu e traduziu; da geração de novos escritores e de escritores mais experimentados; da amiga Lygia Fa- gundes Telles e das muitas coleções que dirigiu e que dirige; do novo livro; da amizade com Eva Wilma; de televisão, de cinema, dos filhos (que trabalham com cinema) e do marido (o crítico de teatro Sábato Magaldi). Edla é uma escritora generosa com seus pares e já levou a obra de escritores catarinenses, como Luis Delfino, Cruz e Sousa e Lindof Bell, para a coleção "Melhores Poemas", da editora Global. Aqui, o leitor terá um encontro com as múltiplas faces da incansável Edla van Steen.

Você é a escritora brasileira com mais livros publicados nos Esta- dos Unidos. Mas como tudo começou? Conte-nos como foi o início de sua carreira. Será que ainda sou a mais publicada?
Não sei. Talvez outras tenham pu- blicado também. Fiz muitas experiências antes de me decidir pela literatu- ra. Aprendi canto (eu queria ser cantora lírica), por exemplo. Ser atriz não era a minha praia; aliás, no meu filme com o Khouri, outro escritor era ator: José Mauro Vasconcelos (Meu pé de laranja lima foi um sucesso). Ficamos um mês em Foz de Iguaçu. Chovia muito e nós, os escritores, datilografá- vamos nossos livros. Sempre fui grafomaníaca e não conseguia não escre- ver. Um detalhe que a nova geração nem imagina seja possível. Eu escrevia a lápis (meus filhos eram pequenos e eu trabalhava à noite), fazia várias versões, daí datilografava, uma, duas, cinco vezes. Como muitos outros au- tores, aliás. Tive a sorte de fazer um curso de inglês, na Alumni, nos anos de 1960, e de meu professor - David George - ter gostado do que eu escrevia. Ele virou o tradutor dos meus quatro livros publicados nos Estados Unidos. Instantâneos é o quinto que ele traduz.

E a atuação no ftlme Na Garganta do Diabo (1960). Como foi partici- par dele? Você atuou em outros ftlmes?
Fui a primeira atriz brasileira a ganhar um prêmio em festival internacio- nal de cinema, na Itália. O júri, presidido por Roberto Rossellini, não deu o prêmio para Melhor Filme, instituindo, excepcionalmente, o de Melhor Atriz. Depois ganhei todos os brasileiros. Meu primeiro emprego foi em ra- diofonização de cartas, que eu escrevia e apresentava, na Rádio Tinguy, de Curitiba. Além desse, fiz um programa que intercalava tangos com poemas que eu escolhia e lia. Logo comecei a trabalhar em jornal. Pensei que eu podia ganhar a vida escrevendo. Que ingenuidade.

E no teatro, você escreveu algumas peças e traduziu outras tantas.Também atuou?
Fiz teatro amadorem Curitiba. Gosto muito de traduzir peças. Se você olhar meu currículo, vai ver meus autores prediletos: Ibsen, Tchecov, Strindberg, David Mamet, Kaiser, Molière. Aprende-se muito em tradução. Em geral, as traduções foram encomendadas pelos atores e/ou diretores dos espetáculos. Tive sorte também com a minha primeira peça: O Último Encontro. Com ela, ganhei o Prêmio Molière, que na época era o de maior prestígio, e o da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), do qual muito me orgulho. As peças Otto e Malas Trocadas acabam de sair pela Giostri Editora.

A escritora Lygia Fagundes Telles fez noventa anos. Você acompanha a nova geração de escritoras brasileiras? Como encara a expressão “literatura feminina”?
Minha querida amiga Lygia está mais linda do que nunca aos noventa anos. Claro que acompanho o movimento literário em geral, não só o feminino. As coleções "Melhores Contos, Melhores Crônicas e Melhores Poemas" demonstram isso. E o "Roteiro da Poesia Brasileira", dirigido por mim, em quinze volumes, levantamento da nossa poesia de 1500 ao ano 2000, é outro atestado. Sou grafomaníaca: não consigo não ler e escrever, e capitalizo o vício publicando livros meus e de outros autores. Sou um ser coletivo. E, sempre que me pedem, consigo editores para os meus muitos amigos.

Você organizou as coletâneas "Viver & Escrever", nas quais entrevista grandes escritores brasileiros. Como foi entrevistar tantos escritores talentosos? Quais foram as mais marcantes?
Tive a sorte de conviver com uma gama enorme de autores, não só pela direção das coleções, mas porque sempre li a obra de todos antes das entrevistas, feitas pessoalmente, com um gravador ou com minha Lettera 22: enquanto eles respondiam às perguntas, eu datilografava as respostas. Acho que Menotti Del Picchia, Dyonélio Machado e Nelson Rodrigues me deram suas últimas entrevistas. Poucos dos trinta e nove entrevistados me responderam por escrito: Henriqueta Lisboa, que já estava bem idosa e não podia me receber; Lygia Fagundes Telles, porque ficara viúva e, em meio à dor da perda de Paulo Emílio, quis escrever; Otto Lara Rezende e Décio Pignatari. Osman Lins também foi uma exceção: ele ficou doente; em meio aos nossos encontros, eu ia ao hospital conversar com ele, e de- pois da sua morte, Julieta de Godoy Ladeira, sua dedicada companheira, terminou-a para mim, procurando respostas já dadas em vários veículos da imprensa. Viver & Escrever foi meu trabalho mais difícil e complexo. O que mais me desafiou.

Percebo em seu novo livro "Instantâneos" (2013) uma procura por registrar o instante, como se você tirasse uma fotografta, lapidando o conto até não mais poder. Como ver essa tendência do microconto, que parece ter ganhado força com o twitter? Você acredita mesmo em contos curtíssimos? Ou o que chamamos de microcontos são flashes de crônica etc.?
Tenho horror a twitter, facebook, linkedin etc. Meus contos são curtos porque eu não tinha tempo, envolvida que eu estava no "Roteiro da Poesia Brasileira", além das outras coleções. Foram cinquenta momentos íntimos. Registros que a minha imaginação construiu para as imagens que eu guardei. Também não acho que sejam “flashes de crônica”. Acho que alguns são mais parentes da poesia. São mesmo contos bem curtos. Tentativa de contar histórias com o mínimo de palavras, deixando que o leitor construa o resto.

"Instantâneos" me lembrou muito dos últimos livros do escritor Caio Porfírio Carneiro. Por falar nele, você não acha que uma geração da antiga guarda - digamos assim, de bons escritores que ainda estão em atividade - é tão ignorada pelos editores quanto os novos que não estão na mídia?
Não conheço esses contos curtos do Caio Porfírio Carneiro. Tentei, inclusive, publicar um volume com seus melhores contos, mas, infeliz- mente, ele publicou demais e o website Estante Virtual está cheio de seus livros. Estou esperando um pouco para voltar a insistir com a editora Global. Quando comecei a coleção, imagine, um dos dez autores da mi- nha lista era Moreira Campos. Que até hoje não saiu. Não me pergunte um motivo: foram muitos. Agora voltei à carga, por intermédio do Nilto Maciel, que me deu o endereço eletrônico de sua neta e estou prestes a conseguir a autorização. Não é impressionante?

Em entrevista ao "Estadão", você fala da falta de garra das editoras em não publicarem quem não está atrelado à mídia e sentencia que há muita gente boa escrevendo. Pode nos citar alguns?
Ah, meu caro, são tantos. A jornalista Malu Furia, por exemplo, enviou textos infanto-juvenis para editoras que nunca nem responderam. Seu delicioso livro "O travesseiro" que contava histórias vai ser publicado agora pela Giostri Editora. Outro romancista sério como Esdras Nascimento também luta para publicar um novo romance, de novecentas páginas; o gaúcho Rubem Mauro Machado tem vários volumes prontos; Marcos Santarrita deixou três ou quatro livros inéditos. No mundo todo há movimentos de autopublicação. Os autores prescindem das editoras e lançam seus livros em impressões digitais, que nada ficam a dever às profissionais, e fazem circular suas obras. Eu aprovo e aplaudo.

Fale-nos de sua amizade com Eva Wilma. Você escreveu a biografta dela, não foi?
A Eva e eu somos amigas há mais de quarenta anos. Ela ainda era casada com o John Herbert. Mas estreitamos nossa amizade depois que eu me casei com o Sábato Magaldi, e ela com o Carlos Zara. Fizemos várias viagens juntas. Fiquei muito feliz quando ela me escolheu para escrever a biografia, que levou três anos para ficar pronta. Um trabalho bom, o de provocar o funcionamento de sua memória e fazer com que ela reconstruísse o trajeto teatral. Ela estava muito triste com a morte do companheiro. Escrevi, inclusive, um roteiro teatral para que ela se despedisse dele, todas as noites: "Primeira Pessoa". O espetáculo ficou um ano em cartaz e recebeu o prêmio "Faz Diferença", de O Globo.


O que você acha que mudou na teledramaturgia brasileira nos últimos anos?
Todos os meus amigos sabem que sou vidrada em televisão (assinei, inclusive, crítica do gênero na revista Isto É Gente). As novelas vinham se repetindo demais; os grandes sucessos começaram a ser reescritos... mas as emissoras eram as culpadas, por não acreditarem ou não apostarem em novos autores. Até que surgiu o João Emanuel Carneiro, um talento impressionante. Filho de uma grande poeta, Lélia Coelho Frota, João Emanuel renovou completamente o gênero. Gosto muito, igualmente, de Maria Adelaide Amaral. A minissérie sobre a Dercy Gonçalves foi primorosa. Só lamento que as emissoras de telenovelas não contratem especialistas para cuidar do acabamento final, cortando os erros de português que doem no ouvido do telespectador, tipo “para mim fazer” ou “entre eu e você” ou “entre eu e ele”. Não há ninguém que possa corrigir que é "entre mim e você"? E outros problemas mais. Porém, na técnica, o Brasil é imbatível.

Uma mulher (Rosiska Darcy de Oliveira) foi eleita para a cadeira vaga do poeta Lêdo Ivo na Academia Brasileira de Letras.Você tem muitos amigos lá. Já pensou em se candidatar a uma vaga? Por que não o faz?
Já convivo com todos, Cláudio. E não tenho espírito para a coisa. As pompas me constrangem. Gosto de estar com os acadêmicos que, em geral, são pessoas de ótimo convívio. Mas sou low profile... Gosto de escrever e de jogar conversa fora. Vou sentir saudades de Lêdo Ivo, que era um maravilhoso contador de histórias literárias. Fomos muito próximos. Aliás, estamos no Rio; Sábato quis vir para a homenagem ao seu companheiro. Ontem foram depositadas as cinzas no mausoléu, e houve uma excelente mesa-redonda na ABL.

Qual é o gênero literário que mais lhe dá prazer em escrever e por quê?
Transito entre o conto, o romance e as peças de teatro, mas não sei escrever poemas, nem crônicas, apesar de ser leitora assídua dos gêneros. Daí a direção das coleções da Global. Às vezes o que eu quero contar já nasce em diálogo. E a peça então vai tomando forma. Já aconteceu de eu reescrever uma peça em forma de conto longo ou novela. São experiências literárias distintas, mas que se prestam para o desenvolvimento de uma história ou situação.

O que mudou no teatro brasileiro nos últimos anos? Existe mesmo uma carência de textos, especiftcamente, para o teatro?
O que acaba com o teatro brasileiro é o sistema de patrocínio. Se uma comissão lesse e escolhesse as melhores peças de hoje, e produzisse as montagens, como nos países europeus, veríamos como é rica a dramaturgia brasileira. A Giostri Editora é especializada em publicar peças de teatro; tem perto de trezentas no catálogo. E não se queixa. Vende muito bem suas publicações em sete livrarias que montou em teatros paulistas. Mas tem dificuldades de distribuí-las nas de outros estados.

Você é vidrada em TV. E o cinema, também vê bastante? No caso do cinema brasileiro, você não acha que ele perdeu sua identida- de tentando imitar o americano? O que acha do cinema brasileiro atual?
Vejo, pelo menos, um filme por dia. E acho que o cinema do Brasil tem evoluído muito. Meus três filhos são a ele ligados: Ricardo fez Noel, Poeta da Vila. Minha filha Anna é profissional competente em maquiagem espe- cial para televisão (Dercy Gonçalves e Dalva & Herivelto) e para o cinema (Xingu, por exemplo, e várias produções internacionais). E Lea é autora de videoart. Alguns de seus trabalhos já foram expostos em museus como o Beaubourg, em Paris, Reyna Sofia, em Madri e Arte Moderna, no Líbano. O nosso cinema tem personalidade e está numa excelente fase, com pelo menos uns quinze diretores de inegável qualidade artística. Você não con- corda? O que está faltando mesmo no cinema é um agente que escolha li- vros, argumentos e/ou roteiros (tenho quatro escritos, baseados nos meus romances, contos ou peças). A literatura brasileira está cheia de livros que dariam filmes maravilhosos.


(Cláudio Portella é escritor, poeta, crítico literário e jornalista cultural, Fortaleza / CE)