Mobilização se acirra e revela contradições internas e diferenças de visão sobre mecanismos de apoio
(O Estado de S. Paulo - SP, Beth Néspoli, 12/04/2008)
Se o movimento da classe teatral ganhou os holofotes nas últimas semanas, ele não começou ontem. Representante da APTR, Andréa Alves enfatiza que a discussão teve início há cerca de cinco anos, nas câmaras setoriais. "Em outubro de 2005 conseguimos, numa audiência pública, incluir o teatro na Comissão de Educação e Cultura. Abrimos essa porta", diz. O anteprojeto de lei do Redemoinho também é de 2005 e já rendeu reportagem no Estado ao ser apresentado no 2º encontro da rede, realizado em Belo Horizonte, no Grupo Galpão.
Por que a disputa parece mais acirrada agora? Em parte pelas diferenças de propostas nos anteprojetos (leia abaixo), em parte pela própria mobilização da classe teatral. No dia 27 de março, dia do teatro, manifestações foram feitas em 11 cidades de diferentes Estados, planejadas pelo movimento Redemoinho em parceria com a Cooperativa Paulista de Teatro. Na próxima quinta-feira, o conselho do Redemoinho, formado por diretores de São Paulo, Porto Alegre, Natal, Belo Horizonte e Salvador, tem encontro marcado com o secretário executivo do MinC, Juca Ferreira, para discutir o anteprojeto de Lei de Fomento. Em maio haverá outra reunião na comissão do Senado para debater a Lei do Teatro. "Com certeza o movimento está mais maduro, propõe projetos, coloca o teatro em pauta e isso é um avanço", diz Andréa.
Mas não unificado. São contradições que se repetem ao longo da História. Se há debate, livre, democrático, as diferenças aparecem. Algumas radicais como se pode constatar pela leitura dos artigos da página ao lado. Por outro lado, se há maturidade, o debate resulta frutífero. "No Brasil, é erro comum a confusão entre distribuição de verba e política cultural. Sempre se discute o primeiro. Enquanto não houver esse entendimento, a discussão não avança", já argumentava Eduardo Tolentino, do Grupo Tapa, em reportagem do Caderno 2 de 11 de março de 2005, sobre a concentração de renda na captação feita por meio da Lei Rouanet. As reportagens também se repetem agora.
é ponto importante - a lei de incentivo é apenas um mecanismo de financiamento. Que serve, bem ou mal, a uma parcela da produção artística. Para além dos grupos organizados e dos artistas cuja simples presença no Senado repercute na mídia, há uma maioria silenciosa lutando para produzir e aprimorar a arte teatral em todo o País. Para levar O Avental ao festival de Curitiba, o grupo baiano Teatro de Bastidores fez uma via-crúcis por órgãos públicos e, ao final, contou sobretudo com seu público. "Teve até um espectador que pagou uma das passagens", diz a produtora Graça Regina Souto Silva. Viajaram sem cenário, que recompraram em Curitiba (R$ 270) e lá deixaram. "Nosso projeto foi aprovado na Rouanet, mas não captou." Um caso, entre muitos. E era um espetáculo de autor premiado, Marcos Barbosa.
"Só vai mudar quando as escolas levarem seus alunos ao teatro e ao cinema", diz Andréa. "Ainda há executivos da área de Marketing que não têm noção do que é teatro." Com qual freqüência empresários, médicos, engenheiros ou políticos vão ao teatro? Talvez uma pesquisa séria de público revelasse que sua ausência nas salas não é mera questão de poder aquisitivo. Uma cena teatral forte e diversa pede mapeamento, políticas públicas planejadas para desenvolver a atividade em toda a sua amplitude, inclusive na formação, no sentido mais profundo, de público.
Se há consenso nesse ponto, não há sobre quais mecanismos dariam conta dessa amplitude. Ney Piacentini, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, enfatiza: "é preciso conhecer para criticar. A lei federal que propomos, por exemplo, não é só para manutenção de grupos, mas para produção de espetáculos e circulação. O que considero importante pôr em discussão é que fundo público tem de ter destinação pública. Lei de incentivo, da forma como está, é loucura brasileira, não existe em país nenhum."
"O atual debate é bom porque pode servir para afiar o diagnóstico, única chance de se chegar a boas soluções. Reações acirradas costumam ser provocadas por diagnósticos precários", diz o consultor cultural João Leiva Filho. "Um dos problemas é que o funcionamento da lei piorou", diz o produtor Claudio Fontana. "Antes a análise de um projeto levava no máximo dois meses, agora leva seis. Teoricamente, a criação de uma secretaria não é uma boa idéia, mas se na prática melhorar o atendimento eu aprovo", argumenta.
"Um dos problemas da Lei Rouanet é ser única", diz o presidente da Funarte Celso Frateschi. "Cerca de 90% do que é aprovado não capta, é trabalho perdido", diz. Claudio Fontana sugere que a dedução possa ser feita também sobre o lucro presumido - e não só sobre lucro real - o que facilitaria a captação e o investimento, nas pequenas empresas. "O Ministério da Cultura tem consciência de que mudanças vêm sendo solicitadas há cinco anos. Mas não se constrói política cultural com uma cartada. é preciso maturação. Acho que chegamos a esse ponto", diz Celso Frateschi.
Recentes críticas de Frateschi à Lei Rouanet, segundo ele responsável pelo encurtamento das temporadas, provocaram uma reação em cadeia. "Estou convencido de que ainda vou convencer os produtores teatrais de que estou a favor deles", diz ele. "Do jeito que está a Lei Rouanet não lhes serve."
Produtores apontam a meia-entrada obrigatória para estudantes e idosos como uma das causas dos altos custos de produção. Onera e não atinge quem deveria. "Não é por ser estudante ou idoso que há carência financeira", diz Beatriz Segall. "Sem contar que qualquer curso e até pizzaria dá carteira de estudante." Fontana aponta ainda os altos aluguéis das salas de espetáculo.
Celso Frateschi considera forte entrave no funcionamento da Rouanet o perfil dos captadores e a concentração de renda (leia quadro nesta página). "Não vou falar pelos outros, mas pela própria Funarte. Os prêmios Miriam Muniz, de teatro, e Klauss Vianna, de dança, foram realizados com captação pela Lei Rouanet. Como um produtor independente vai concorrer com Estados e com prefeituras?" Uma lei geral para as artes vem sendo gestada no Ministério da Cultura. "No máximo em dois meses será posta em discussão com a classe", diz Frateschi. Ele acredita que embora não seja uma lei específica para o teatro, vá servir entre outras coisas para desonerar a Lei Rouanet. "E terá especificidades que respeitam as diferenças de necessidades entre as áreas."
Mais uma etapa dessa discussão certamente se dará no dia 5, quando Frateschi participa de um debate, aberto ao público, no Centro Cultural São Paulo, para discutir Políticas Públicas para o Teatro.
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15 de abril de 2008
Diário Catarinense / Variedades
"Não trabalho de portas fechadas"
Entrevista: Anita Pires, presidente da Fundação Catarinense de Cultura
A empresária e assistente social Anita Pires assume hoje a presidência da Fundação Catarinense de Cultura (FCC). Ela foi indicada pelo governador Luiz Henrique da Silveira e ocupará o cargo deixado por Elisabete Anderle, que morreu no dia 16 de março. A cerimônia, aberta ao público, será às 15h, no Centro Integrado de Cultura (CIC), na Capital. Presidente da ONG FloripAmanhã, Anita Pires foi secretária adjunta da Secretaria de Estado do Planejamento, de 2002 a 2006, e no ano passado coordenou o Grupo de Trabalho do trade turístico de Santa Catarina. Na manhã de ontem, ela recebeu o Diário Catarinense para falar sobre os seus projetos, voltados principalmente ao turismo cultural, parcerias público-privadas e à participação da classe artística em fóruns regionais de discussão. Ainda em fase de adaptação ao novo posto, Anita Pires teve o amparo do secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte (SOL), Gilmar Knaesel, que respondeu algumas das questões na entrevista a seguir.
Diário Catarinense - A senhora já ocupou cargos em diversas áreas, mas não tem experiência na área da cultura. Isso pode representar uma dificuldade no seu trabalho?
Anita Pires - Eu não acredito porque se a gente tem o olhar aberto para aprender, a gente aprende todos os dias. Eu coloquei com muita humildade, para o secretário e o governador, que não tenho essa expertise. De outro lado, sou uma pessoa que trabalha há muitos anos com o desenvolvimento em turismo. E quem trabalha com isso trabalha com cultura. Não existe um desligamento entre essas duas coisas. Quando participei do governo, no projeto Meu Lugar, trabalhei com cultura também. E o mais importante é a gente estar aprendendo e escutando o setor cultural e a sociedade.
DC - A classe artística tem criticado o isolamento dos presidentes anteriores, que teriam tomado suas decisões, nos gabinetes, sem ouvir os artistas. A senhora pretende fazer algum tipo de aproximação com a classe?
Anita - A professora Bete (Elisabete Anderle), que eu conheci profundamente por mais de 30 anos, era uma pessoa democrática e tenho certeza que ela já havia iniciado esse trabalho. Infelizmente, isso ficou fragilizado e foi interrompido por causa da sua doença. Então eu acho que essa porta já está aberta. O maior pedido do governador, quando me convidou, é que a gente faça uma discussão estadual, organizando fóruns regionais para ouvir todo o setor cultural. O Estado é extraordinário na sua diversidade cultural e tem um ambiente favorável para se trabalhar essa diversidade, trazer artistas que às vezes estão sem oportunidade. Esses fóruns, que serão oito, a partir do segundo semestre, vão permitir com que a fundação converse com todo o Estado, com todos os setores.
DC - Em relação aos editais específicos, de teatro, dança e outros, assim como já acontece com o cinema, serão ampliados e colocados em prática?
Gilmar Knaesel - A fundação já preparou uma proposta, mas quem deve decidir isso é o Conselho (Conselho Estadual de Cultura). Sinto que o conselho está sensibilizado de que essa é a melhor política, reivindicada pelo setor. Acredito que neste ano, ainda, haverá implementação de novos editais.
DC - Existe um projeto completo para as obras de reforma do CIC? Quando será implantado?
Knaesel - Fizemos algumas intervenções pontuais, emergenciais, mas não se fez um projeto global. O departamento de engenharia do Deinfra tem o prazo até o próximo dia 20 para nos entregar o projeto final desta reforma, que prevê várias mudanças. No final do mês queremos lançar o edital das obras, previstas para começarem neste ano. O orçamento aproximado é de R$ 8 milhões, com recursos assegurados pelo Fundo Cultural. Temos também a proposta de uma empresa privada, que quer assumir a reforma total a partir da Lei Rouanet. Estamos estudando as questões legais para saber se isso é possível.
DC - Percebe-se grandes parcerias entre Estado e empresas privadas nos estados vizinhos. Em Santa Catarina isso não acontece. O governo não tem interesse?
Anita - O governo tem clareza que precisamos de parcerias público-privadas. Com certeza é neste caminho que vamos andar. O patrimônio histórico é público, da sociedade, não do governo.
Knaesel - O que acontece é que nossas empresas só querem participar se for pela Lei de Incentivo, tanto estadual quanto federal. Por um lado, criamos um mecanismo interessante com a lei, por outro, criamos um problema que nos prejudica um pouco.
DC - Qual vai ser a marca da sua administração na Fundação Catarinense?
Anita - Eu tenho uma afinidade com essa questão de abrir as discussões culturais nas regiões. Isso me fascina. E também tenho um estilo de gestão: não trabalho de portas fechadas. As portas dos meus gabinetes, seja na minha empresa ou nos cargos públicos que ocupei, estão sempre abertas. Principalmente porque estamos tratando de questões públicas, recursos e interesses públicos. Isso deve ser muito transparente. E também quero perseguir os passos da Bete, que começou um processo de conversa efetiva com o setor. E o turismo cultural está dentro deste contexto. Se vamos discutir a diversidade cultural de Santa Catarina e buscar nestes oito fóruns regionais o sentimento do Estado a respeito da cultura, com participação da Santur, da SOL e do Ministério da Turismo, teremos uma oportunidade grande de dinamização e alavancagem do turismo cultural.
* Colaborou: Jeferson Lima
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Lílian Zanin Guedes - Desenhista, pintora e ceramista
Olegário Mainieri dito Oleg - Desenhista e pintor
Cristina Maria Mendes dita N. Dina - Ceramista, e gravadora
Carla Mainieli Pietrowski - Pintora
Virginia Brugnerotto Sacchi - Pintora, desenhista e artesã
Haís Zumblick Santos - Pintora
Olinda Terezinha Fernandes Schauffert - Desenhista, pintora e ceramista
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Fritz Schneider - Pintor
Sérgio Luiz da Silva - Fotógrafo autodidata
Willy Alfredo Zumblick - Pintor e escultor
Sérgio de Carvalho e Marco Antonio Rodrigues - Publicado na Folha de S. Paulo
16.04.2008
O debate sobre a extinção da Lei Rouanet tem mobilizado setores importantes da sociedade brasileira. Parte da classe artística, secretários de governo e jornalistas têm assumido o ponto de vista "reformar, sim, acabar, nunca!".
De fato, a Lei Rouanet tem se mostrado uma força miraculosa em seus 17 anos de vida. Basta dizer que mudou a paisagem da avenida Paulista, em São Paulo, ao fazer surgir uma dezena de centros culturais. Curiosamente, instituições com nomes de bancos, que elogiam o espírito abnegado da instituição financeira. Seu nascimento está ligado à caneta do presidente Collor de Mello, em 1991. Tinha, então, um nobre objetivo pré-iluminista: incentivar o mecenato. Só que a aristocracia do passado contratava diversão com recursos do próprio bolso. Já a Lei Rouanet está mais afinada com a cartilha liberal-conservadora de sua época: "O Estado deve intervir o mínimo, a sociedade deve se autogerir, mas, para isso, é preciso uma ajudazinha".
Todo o poder miraculoso da lei tem a ver com seu mecanismo simples: ela autoriza que empresas direcionem valores que seriam pagos como impostos para a produção cultural.
A idéia parece boa, mas contém um movimento nefasto: verbas públicas passam a ser regidas pela vontade privada das corporações, aquelas com lucro suficiente para se valer da renúncia fiscal e investir na área.
Assim, os diretores de marketing dos conglomerados adquirem mais poder de interferir na paisagem cultural do que o próprio ministro da Cultura. E exercem tal poder segundo os critérios do marketing empresarial. O estímulo aos agentes privados resulta em privatismo.
Diante da grandeza do fundo social mobilizado desde 1991 (da ordem de R$ 1 bilhão só no ano de 2007), é possível compreender a gritaria das últimas semanas. Por trás da defesa da Lei Rouanet, há maciços interesses. Não só os das instituições patrocinadoras, que aprenderam a produzir seus eventos culturais, mas os da arte de índole comercial (feita para o agrado fácil), que ganha duas vezes -na produção e na circulação-, na medida em que os ingressos seguem caríssimos.
Os maiores lucros, contudo, ficam com os intermediários. De um lado, as empresas de comunicação, cujos anúncios pagos constituem gigantesca fonte de renda, em média 30% dos orçamentos. De outro, a casta dos "captadores de recursos", gente que embolsou de 10% a 20% do bilhão do ano passado apenas por ter acesso ao cafezinho das diretorias de empresas.
Como não há julgamento da relevância cultural na atribuição dos certificados que habilitam o patrocínio, a lei miraculosa abriu as portas dos nossos teatros às megaproduções internacionais, que ganham mais aqui do que em seus países de origem.
O caso do Cirque du Soleil, com seus R$ 9 milhões de dinheiro público e ingressos a R$ 200, está longe de ser exceção. Ao contrário, é a norma de um sistema em que o Estado se exime de julgar a qualidade em nome do ideal liberal de tratar os agentes desiguais como iguais e "conter o aparelhamento político da cultura".
O pressuposto filosófico do debate foi revelado pelo secretário da Cultura de São Paulo, João Sayad: "Antigamente, numa era religiosa, o natural era a coisa criada por Deus. Hoje, o natural é o que dá lucro".
Ao defender o subsídio contra o mercado excludente, assume a impotência do Estado e endossa a idéia de naturalidade (portanto, imutabilidade) do império do capital sobre qualquer coisa que já se chamou "vida". Uma reforma da Lei Rouanet incapaz de impedir o controle privado de recursos públicos não faz sentido.
O Estado pode estimular a generosidade humanista dos empresários com renúncia fiscal, mas não pode deixar de regular a distribuição do fundo social com regras claras de concorrência pública. Não parece óbvio? Então, por que não enfrentar o debate sobre valores culturais?
Por que contribuir para a universalização da lógica mercantil? O "aparelhamento político da cultura" pode ser questionado em público. O desejo unilateral de um gerente de marketing, não.
Num passado recente, o governo Lula sacrificou seus membros para não enfrentar a tropa de elite da mídia eletrônica. Estava em questão a exigência de "contrapartida social" no patrocínio das estatais.
Sua disposição conciliatória pode, de novo, impedir uma transformação maior, rumo a uma cultura livre, pensada como direito de todos. Mas qualquer mudança exige, no mínimo, considerar a hipótese de que a realidade e o mercado não são uma coisa só.
* Sérgio de Carvalho é diretor da Companhia do Latão e professor de dramaturgia da USP.
** Marco Antonio Rodrigues é diretor e um dos fundadores do Folias, companhia teatral.