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A exposição “Quanto Como um Desenho”, de André Luis Favilla, é um registro de diferentes momentos da pesquisa em artes visuais que o artista tem desenvolvido nos últimos anos. Em linhas gerais, caracteriza-se pelo emprego de três estratégias principais: operação sobre a estrutura (e não superfície) da imagem fotográfica, releitura do emprego das matrizes geométricas na arte contemporânea e reprodução variada (não-idêntica) das matrizes gráficas.


 
Já a exposição “+papel”, coletiva de artistas do Grupo Rosa dos Ventos (UDESC/CNPq), apresenta uma reflexão sobre a materialidade do papel como veículo poético. Buscando dar forma a memórias e relações com esse material, as artistas exploram desde as mais íntimas e delicadas lembranças até relações com o outro e com a paisagem.
 
 
“Quanto Como um Desenho”  
O artista visual, ensaísta, tradutor e professor universitário André Luis Favilla apresenta em sua exposição a pesquisa em artes visuais que tem realizado nos últimos anos. “É, em parte, uma reação à institucionalização estreita da prática e do debate sobre arte e tecnologia no Brasil”, disse. Em seus trabalhos, a tecnologia empregada é digital, mas não é “de ponta”, já que os desenhos são feitos com aplicativos comerciais de design gráfico. Os desenhos possuem uma escala que demanda a presença física (e não remota, ou virtual) do observador no espaço de exposição; mas, aqui, não há nada “interativo”. O suporte final de apresentação dos desenhos é o papel (sujeito às contingências de uma delicada constituição física), que pode ser exposto sem proteção, com o auxílio de cabo de aço, esticadores e presilhas.

Em meados dos anos 1960, por meio da atuação de artistas como Frieder Nake e Herbert Franke, a Alemanha ocupou um lugar de destaque, junto com os Estados Unidos, no surgimento das primeiras experiências de utilização do computador para a produção no campo da arte. No Brasil, coube a Waldemar Cordeiro a realização das mais conhecidas e bem-sucedidas experiências inaugurais.
 
Segundo Favilla, a apropriação do computador pelos artistas como meio ou suporte para a produção artística é evidentemente legítima, mas, no caso do Brasil, parece ter havido uma perigosa institucionalização desta prática a partir do final dos anos 1990. “Há financiamento oriundo de gigantes da telecomunicação, mostras competitivas com critérios estreitos, espaços exclusivos de exposição, grupos acadêmicos de pesquisa, produção e crítica de ‘arte tecnológica’ – enfim, todo um arcabouço institucional que parece atuar na direção de um retorno anacrônico ao formalismo, onde o problema da arte parece se resumir à mera questão do suporte”, ressaltou.
 
A exposição “Quanto Como um Desenho” retrata um registro de diversos momentos da pesquisa do artista, caracterizada pela utilização de três estratégias principais: operação sobre a estrutura (e não superfície) da imagem fotográfica, releitura do emprego das matrizes geométricas na arte contemporânea e reprodução variada (não-idêntica) das matrizes gráficas.
 
1) Operação sobre a estrutura (e não superfície) da imagem fotográfica
A estratégia de Favilla tem sido realizar intervenções de natureza gráfica sobre a imagem fotográfica, propondo uma requalificação do significado de “intervenção”. “Como sabemos, a manipulação de imagens fotográficas por meio de ferramentas digitais (por exemplo, com o Photoshop) tornou-se corrente. De certo modo, trata-se de mais uma esfera da vida contemporânea onde o desejo por um crescente poder de intervenção se manifesta. E, associado a este poder, encontramos um anseio pelos ideais de limpeza, purificação e melhora – ‘limpe a imagem, entre os pixels, onde a sujeira se esconde’, anotava a embalagem de um popular aplicativo para tratamento de imagens, Soap, no final dos anos 1990”, detalhou o artista.
 
Em vez de operar na superfície da imagem fotográfica, escamoteando, suprimindo, corrigindo ou aperfeiçoando, optou por investigar a sua estrutura, uma vez que a operação que está na base do atual poder de interferência sobre a imagem é, essencialmente, uma operação matemática, isto é, a redução qualitativa de um todo (imagem) em partes (pixels). Esta redução assume, literalmente, a forma de um mapa de pontos, onde cada ponto deste mapa (imagem) pode ser controlado individualmente, ainda que pese a capacidade de aplicativos como o Photoshop em simular objetos que existem no mundo real (caneta, pincel, etc.). Como resultado, produziu três séries de desenhos, que tiveram como ponto de partida a apropriação inicial de imagens fotográficas e a sua subsequente manipulação: Individuação (2008-2009), Alvos (2009) e Condensação (2009). Para a exposição no Museu Histórico de Santa Catarina, foi selecionada a série Alvos.
 
2) Releitura do emprego das matrizes geométricas na arte contemporânea
As três séries de desenhos (Individuação, Alvos e Condensação) preservam, em grande medida, a natureza essencialmente figurativa da representação fotográfica. As intervenções gráficas realizadas não impedem (somente dificultam) a reconciliação dos desenhos com a sua origem figurativa, sobretudo em Individuação, onde as imagens fotográficas que deram origem à série são demasiadamente conhecidas. Em Alvos e Condensação, é exatamente este processo de reconciliação, imediato e automático, que se torna objeto de investigação.
 
Como resultado deste exercício de diluição da figura no contexto das operações gráficas que Favilla vinha realizando, o artista optou, em um segundo momento, pelo descarte completo da referência à imagem fotográfica. Em seu lugar, começou a trabalhar com matrizes geométricas puras em uma tentativa de oferecer uma releitura, ou pelo menos uma atualização, de seu emprego na arte contemporânea, em particular pela importância que os movimentos concreto e neo-concreto desempenharam na consolidação da arte contemporânea no Brasil. Neste contexto, realizou até o momento três séries de desenhos: Planos (2009-2010), Populações (2010) e Quase Como a Razão (2010). A série Planos foi escolhida para ficar exposta no Museu Histórico de Santa Catarina.
 
3) Reprodução variada (não-idêntica) das matrizes gráficas
A operação com matrizes geométricas puras permitiu a Favilla ampliar um aspecto importante de sua pesquisa no que diz respeito à reprodução variada (não-idêntica) dos desenhos, contida inicialmente na série Individuação. De acordo com o artista, “em meu trabalho, a expressão ‘reprodução variada’ designa o resultado obtido pela aplicação de um método generativo para a criação dos desenhos, cujas etapas são: a constituição de uma matriz gráfica inicial (ou primária), a definição de um conjunto de regras (ou rotinas) para a operação sobre esta matriz e a produção serial de desenhos a partir da aplicação sistemáticas das regras sobre a matriz”.
 
Desta maneira, os desenhos não são exatamente “reproduzidos”, no sentido da cópia idêntica ou similar, mas sim “re-produzidos”, na medida em que cada série produz “gerações” de desenhos que pertencem à mesma família, mas que, ao mesmo tempo, são distintos de seus pares. Cada desenho obtido pelo método generativo é impresso somente uma vez. Este método foi utilizado nas séries Individuação, Planos e Populações. As séries Alvos, Condensação e Quase Como a Razão possuem tiragem convencional (cópias idênticas e edição limitada).
 
Alvos (2009)
A série Alvos propõe um exercício de desconstrução de imagens fotográficas eróticas apropriadas da Internet. As imagens originais retratam mulheres (que nem sempre estão nuas) em poses de acentuada contorção física. Favilla relata que “todas as modelos parecem ser contorcionistas profissionais ou ex-atletas, fotografadas em poses pouco convencionais – fato que acentua o caráter de exposição dos corpos. Das imagens fotográficas originais, o projeto preserva somente a silhueta da figura feminina que é então aplicada sobre a representação gráfica de um alvo”.
 
De acordo com o artista, a série Alvos surgiu como resposta à qualidade eminentemente figurativa da série anterior, Individuação, pois, em Alvos, o objetivo da sobreposição (figura/fundo) foi produzir um precário equilíbrio entre atração e distração. Atração, na medida em que o alvo emite uma ordem com o objetivo de capturar a atenção do voyeur, direcionando o olhar, apontando para a ação e dizendo “é aqui!”. Distração, pois o alvo também dilui a possibilidade de apreensão do conteúdo pornográfico, afinal, esta apreensão pode resultar somente do esforço do observador em ajustar-se à tênue relação de contraste vigente entre figura e fundo.
 
A série Alvos é constituída por 12 desenhos de pequeno formato, cada um deles medindo 43,2cm x 43,2cm. A série possui tiragem convencional (3 cópias idênticas de cada desenho).
 
Planos (2009-2010)
Diferentemente dos trabalhos anteriores, a série Planos não tem como ponto de partida a imagem fotográfica. Para a construção dos desenhos desta série, emprega-se um método generativo, isto é, uma sequência pré-definida de procedimentos que é aplicada sobre a matriz geométrica dos quadros de Joseph Albers, Homenagem ao Quadrado. Uma vez que tais procedimentos incorporam operações aleatórias sobre a sucessiva multiplicação da matriz inicial, o resultado do processo gera imagens que possuem a mesma “origem”, mas que, ao mesmo tempo, são distintas entre si, constituindo, por assim dizer, um processo de reprodução variada (não-idêntica) da matriz geométrica inicial.
 
A série Planos é composta por uma matriz gráfica primária a partir da qual foram realizados nove gerações de desenhos em grande formato. Cada desenho da série mede 183cm x 183cm e é impresso somente uma vez.
 
 
 
“+papel”
Algumas artistas do Grupo Rosa dos Ventos exploram a materialidade do papel dobrando-o, empilhando-o e montando jogos por meio do recorte de letras. Por intermédio desses arranjos, criam mundos imaginários em mini-instalações, celebram os encontros, usam a metáfora do empilhamento como forma de compreender o adensamento de memórias causado pela passagem do tempo, e ainda remetem-nos a experiências lúdicas envolvendo o papel. A ideia de perda e recuperação da memória também está implícita na tentativa de fixar uma imagem em papel por intermédio do ato fotográfico. Alguns trabalhos evocam relações com a paisagem, como as gravuras em papel que são apresentadas junto a conchas coletadas num passeio pela praia. 


 
Juliana Crispe convidou a amiga Bruna Mansani para brincar. “Um mundo de papel para Alice” mostra a personagem, pequena boneca de pano, de 1,5 cm, que dá nome à série iniciada em 2007, interagindo com pequenos animais, objetos em origami, produzidos por Bruna, na proporção da personagem. É a primeira vez que Alice, antes protegida por fotografias, aparece em cena.

 
O lúdico e o encontro se manifestam também nos trabalhos de Maria Araujo e de Rosana Bortolin. A partir de saquinhos de chá saboreados em um encontro entre amigas, Maria Araujo se lança ao jogo da conversa, da oferenda, do pottlach, devolvendo os restos do ritual, os saquinhos já utilizados, com marcas do uso e tingimento com pigmentos naturais e industrializados.
 
“Papel de papel I e II”, de Rosana Bortolin, propõem uma alusão aos contatos lúdicos feitos com papel durante a remota infância. Recorte de letras, formação de palavras, empilhamento de papéis, criação de volumes. Folhas empilhadas, letras recortadas que unidas e ordenadas formam a palavra papel. O negativo do recorte e o positivo do recortado ao complementarem-se formam uma folha inteira. Segundo a artista, “é uma metalinguagem que define o conceito do objeto por meio do material do qual ele é feito”. O visitante poderá retirar esses recortes e levar consigo para montar e remontar.
 
“Sementeira”, obra de Sandra Correia Favero, segue outra linha. Considerando as inúmeras possibilidades de reprodução de imagens, a artista expõe a disseminação da estampa resultante de um processo secular sujeito ao abandono dentro de uma caixa forrada com conchas e caramujos. Sandra explica: “porque vivo em Sambaqui, sei o quanto estamos tentados a levar para casa essas pequenas “lembranças”. Sei o valor afetivo que elas incitam. As estampas estão colocadas ali como oferenda ao público e como estímulo a multiplicação do ato de gravar.”
 
A memória é tema ainda dos trabalhos de Márcia Sousa e Marina Moros. “palimpsesto (memória || palavra)”, de Márcia Sousa, incita o espectador ao tato, à experiência do empilhamento de memórias e à sua recriação, originada no próprio gesto de empilhar. Um palimpsesto é uma página manuscrita, pergaminho ou livro cujo conteúdo foi apagado (mediante lavagem ou raspagem) e reescrito, normalmente nas linhas intermediárias ao primeiro texto ou em sentido transversal. Como num palimpsesto, a memória reescreve constantemente os fatos vividos. Camadas de espaços-tempo que se interpenetram e se transformam mutuamente. Por entre as linhas dessa escrita sempre transformada, é possível entrever as camadas inferiores, indícios do vivido.
 
O trabalho de Márcia presentifica essa sobreposição, esse adensamento de memórias. O ato de empilhar reafirma a ideia de acúmulo e de entrelaçamento entre camadas. A transparência dos papéis permite a contaminação entre palavras, entre lembranças, entre tempos, entre espaços. Sob a escrita revelam-se outras escritas. O visitante poderá mover as folhas para desvendar o trabalho e experimentar a sensação de adensamento provocada pela ação de empilhar.
 
Marina Moros joga com a etimologia das palavras “retrato” e “res”, para discutir, na obra “[restraho]”, o intervalo em que a imagem vira tangência nas armadilhas criadas pela fotografia pixográfica, onde a latência é substituída por jatos.
 
Em “ser (des)contínuo”, Silvia Carvalho mostra uma série de quinze desenhos-pinturas feitos com bastões oleosos caseiros sobre papel. São figuras femininas criadas a partir de leitura do livro O Erotismo de Georges Bataille.
 
 
 
Serviço: Exposições “Quanto Como um Desenho” e “+papel”
Local: Museu Histórico de Santa Catarina - Palácio Cruz e Sousa
Abertura: 13/01, às 19h
Conversas no Museu com a participação dos artistas expositores: 13/01, às 18h30
Aberto ao público
 
 
Visitação: 14/01/11 a 06/02/11, de terça a sexta, das 10h às 18h
sábado e domingo, das 10h às 16h.

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